Tres livros, um poema, uma canção

Foi eleito. A ideia de que possa ser eleito novamente me mortifica.

Que ele brinca com a tragédia, tem argumentos.

Pode-se alguém dizer qualquer coisa? Qualquer coisa que se pense? Todo disparate? E se alguém está no alto, mais alto que todos, em posição de poder dizer, não seria então mais necessário que o seu dizer fosse cuidadoso para com aqueles que o escutam? …

É certo que nunca saberemos toda a verdade. Certezas são sedutoras tanto quanto falsas. A machonice à toda prova. Não duvidar, não ter dúvidas. Se você assiste a uma conversa como essa. Faz cinco anos…

Enfim.

O que dizer sobre o que aconteceu com o nosso país. Como este nosso país pensa? Pensa assim?

“Com o passar do tempo, com as liberalidades, drogas, a mulher também trabalhando, aumentou-se bastante o número de homossexuais”… Essa fala traz a ideia da família moderna como responsável por desvios da sexualidade, pelos comportamentos ditos “anormais”. É uma maneira de pensar, de enxergar o mundo.

Há algo de picaresco na imagem de um homem fazendo o gesto de um revólver, como se fosse brincadeira. Zorro ao contrário, montado ao cavalo, sem máscara. Um playmobil . Palavras que zunem pelo ar como golpes de espada. Como se não fossem cortantes…Temos o vírus, temos as mortes. Mas ele brinca; “já sei…a culpa é minha…” : faz troça.

Este que fala acima tornou-se nosso presidente … eleito. Esta maneira de enxergar o mundo se fortalece a cada dia. Não é um discurso que desconhecíamos. Pois! O rei está nu, é certo, mas quem se importa… Este é um rei que foi eleito em sua nudez dizendo todo o tipo de disparates. Cobriu-se este pândego com um manto imaginário… Alucinação que resiste aos argumentos, às provas da realidade.

Precisamos de um rei assim? Se é verdade que o que ele diz faz sentido para muitos, a questão não está apenas num projeto de “direita” , mal professado por ele. É o desejo de endireitar que assusta mais. Um pensamento ortopédico que justifica crimes de toda ordem.

Prefiro Riobaldo, prefiro Diadorim.

O amor, prefiro.

A onda normatizadora está em todos, em todos nós. Tem tsunamis que arrastam almas, rios de lama piores do que aquele. Por isso tenho gostado de livros, livros, livros. Agarro-os, para a lama não me arrastar. São cordas, bóias, faróis. Livros que ajudam a mergulhar em histórias de pessoas diferentes .

Caíram-me ao colo, recentemente, histórias que são dinamite para os preconceitos meus. “A Gorda”, de Isabela Figueiredo e “A metafísica dos tubos”, de Amelie Nothomb. A moça gorda, a menina autista . Elas me fizeram companhia nestes dias sombrios. A gorda me seduziu com sua volúpia, sua sensorialidade, sua honestidade. Poucas vezes li tão linda a descrição do amor entre uma filha e uma mãe. A vontade que a filha tem do corpo da mãe, o ódio.

Da menina diferente e seu lago de carpas, aprendi a vontade de morrer. Não tem como não empatizar com ela e ser autista , ser a gorda , viajar com elas nas páginas destes livros. Como não se transformar depois deste mergulho? Estas autoras me transformaram.

Leiam, leiam, a literatura nos salvará. Vamos tratar de entender que somos iguais no que mais importa. E que esta violência da qual este homem é arauto não deve mais seduzir toda a nação. Não pode. Seja você de esquerda, de direita, tudo bem e tudo certo. Mas este país “cordial” é violento, e precisamos nos responsabilizar, ao menos, por nossas palavras.

E, por fim, um poema:

Tiradentes

Carlos Pena Filho

É o muito esperar que existe em torno

que me destina a ação desbaratada.

A morte é bem melhor do que o retorno

ao nada.

Não nasce a pátria agora, o sonho mente,

mas, em meio à mentira, sonho e luto

pois sei que sou o espaço entre a semente

e o fruto.