Birras!!!!
Alerta de spoiler: este não é mais um post que vai lhe dar dicas sobre como lidar com as birras dos seus filhos.
” Terrible two “
Dizem que esta é a fase dos terríveis dois anos. Se tudo correu bem, chegamos até aqui! Mas o que é tão terrível nestas birras e teimosias? Que grande desafio é esse? Como estes seres tão pequenininhos passam a ter tanto poder sobre nós? Na fase da birra, os pais são desafiados mais uma vez. Quando o bebê nasceu, o desafio foi aprender a cuidar de alguém tão dependente. Foi difícil. Foi maravilhoso. Mas agora… agora os sentimentos são outros.
Impotência, irritação, raiva. Tudo vira disputa e confusão. Os pais é que entram numa fase terrível. Serão testados em sua consistência, paciência, firmeza e convicção. E será necessário aos pais ter jogo de cintura e maleabilidade. Será necessário que repensem sobre o que é importante, em relação às regras e aos limites. Que pensem no que desejam transmitir para seu filho em sua trajetória dentro da sociedade humana. Divergências que eram antes desconhecidas entre o casal podem vir à tona no momento em que o filho chega à fase do “terrible two“. Como fazer? Como lidar? Vale ser severo, rígido? O que fazer quando o menino ou a menina se jogam no chão, aos berros? Vale ser paciencioso, condescendente? Dá para negociar com a criança? Ou é melhor ignorar a birra? Os pais se acusam mutuamente. A família vem para julgar. Cenas e “shows” acontecem diante da plateia familiar.
Primeiro os pais se sentiam julgados se o filho não mamava, não dormia ou não falava bem. Agora, são julgados pela impertinência e pelas “malcriações” do filho. Chovem palpites, recriminações. A criança que está se desenvolvendo bem aprende rapidamente quais são os pontos fracos dos seus pais. Por que ela faz isso? Só para chatear, para irritar, para testar?
Na verdade, a criança que faz birras está construindo suas capacidades emocionais e para tal está recrutando seus pais. Ela os quer firmes e amorosos ao mesmo tempo, presentes , maleáveis e resistentes. A criança vai atacar os pais para que eles possam sobreviver aos seus ataques. Assim, poderá construir a ideia de ser separada deles, com uma mente própria. A raiva, o ciúme, a inveja, a disputa: todos estes afetos difíceis começam a aparecer no palco do drama familiar. A criança tenta adquirir um controle sobre sua vida e sobre as emoções dos seus pais. Se a criança ganhar este jogo, ficará desesperada! Pois os limites é que darão segurança à criança.
Como ajudar nosso filho a lidar com o NÃO?
Para isso, precisamos rever aspectos profundos de nós mesmos . Como você lida com os limites? Você se resigna, se revolta, ou você sabe negociar com as dificuldades da vida? Como você faz para viver em sociedade, seguir as regras da boa convivência, do respeito ao outro, sem que por isso se sinta submetido, ressentido e amargo? Como abrir mão da onipotência infantil e achar gosto na vida real, onde sempre falta algo ou alguém para nossa felicidade ser completa?
Adultos também fazem birras. Alguns se mantém vivos por meio dos embates que travam com a vida. Esses embates podem estar encobrindo uma real dificuldade de se adaptar, pensar, abdicar da condição de estar no controle, ter poder sobre o outro.
Entendamos então, a importância da fase das birras, que vai dos 2 aos 3 anos de idade mais ou menos. Para Winnicott ” é no entremeio que talvez resida a coisa mais difícil no desenvolvimento humano, ou talvez a mais penosa de reparar, de todas as falhas iniciais que ocorrem. O que existe no meio…é o fato de o sujeito colocar o objeto fora da sua área de controle onipotente; isto é, o sujeito perceber que o objeto é um fenômeno externo, não uma entidade projetiva, na verdade, o reconhecimento de que o objeto é uma entidade autônoma.” É a fase importante da birra que traz para a criança, por meio dos embates com o adulto, a noção firme de aonde ela começa e termina, de aonde o pai começa e termina, de onde a mãe começa e termina. Há um triângulo, e em seus vértices estão o bebê, a mamãe e o papai. Ao perceber que os pais tem uma vida própria, e se amam, e vivem sua vidas independentemente do desejo da criança, ela perde e ganha. Perde a ilusão da onipotência, sofre o ciúme, a inveja e o limite! Mas ganha a possibilidade de estar só, ganha a possibilidade de perceber que também ela pode se ligar a outras pessoas: os primos, a vovó, os amiguinhos da escola. O NÃO é uma estrada com duas direções: ajuda a criança a se definir, se reconhecer, se direcionar . O pai que diz não à criança está também dizendo a ela que é bom crescer, e que ela também poderá dizer não ao outros, aprendendo a reconhecer seus desejos verdadeiros.
” É verdade que Winnicott também fala do amor primitivo, referindo-se aos estados excitados do bebê, carregados de tensão instintual, mas este “amor” é feito de necessidade, e nada sabe sobre a existência externa de um outro. O amor do objeto que sobrevive à destruição é toda uma outra coisa; trata-se agora do sentimento de um eu – que, embora incipiente é inteiro e separado– dirigido para um outro, como pessoa inteira e separada. O pré-requisito para este amor é o mesmo que para o exercício da genitalidade que se quer madura, e que não é apenas um exercício solitário; também nesta é preciso que o objeto seja percebido como externo e separado do indivíduo. Ou seja, o amor é constituído no interior do processo de amadurecimento.” *
É a face mais dura do amor. Onde eu termino, você começa.
Amor é o que se aprende no limite, como dizia Drummond : amor começa tarde. O amor está ligado à maturidade. Sem passar pelo “terrible two” a criança estará paralisada no seu desenvolvimento. Terrível , mesmo, é descobrir que mais que dois existem mais. Mas sem esta constatação estaremos presos num mundo de onipotência, desespero e solidão.
- Elsa Oliveira Dias- A teoria do amadurecimento de D.W.Winnicott, 4 ed, 2017, pag 224.
Ciranda, do Palavra Cantada!!!