Aspectos da experiência do Self

Brincava a criança 
Com um carro de bois. 
Sentiu-se brincado 
E disse, eu sou dois ! 

Há um brincar  
E há outro a saber, 
Um vê-me a brincar 
E outro vê-me a ver. 

No livro “Sendo um Personagem” ( Being a character- de Cristopher Bollas-1992) encontramos a definição do Self como um idioma pessoal, que busca os objetos do mundo para se expressar. Assim, os objetos e as escolhas de uma pessoa falam muito sobre ela. De certa forma, pessoas e coisas, atividades e entretenimentos com os quais nos ocupamos são receptáculos de partes de nós mesmos na busca por ressonância para a expressão de nosso Self mais profundo.

Os objetos do mundo nos modificam, também, ao evocar sentido para nós, principalmente no caso dos encontros com as pessoas que nos cercam. No encontro das subjetividades, em sua maravilhosa diferença, modificamo-nos mutuamente. A diferença é maravilhosa e é uma parte notável da nossa vida: na problemática do encontros e desencontros é que o des-envolvimento ocorre.

Saint Exupéry diz, em ” Terra dos Homens” que a verdade da laranjeira é o solo onde ela frutifica e lança sólidas raízes. Se neste solo, e não em outro, a laranjeira floresce, este solo é a sua Verdade. A busca pelo desenvolvimento , presente em todo ser vivo, está em nós e nos direciona para o mundo no sentido da busca dos objetos, que são como as teclas de um piano a tocar nossas cordas internas. A alegria do encontro é uma bem aventurança se libera o nosso idioma e produz frases musicais que nos ajudam a ouvir a nós mesmos.

Além disso, é da condição humana o refletir sobre si mesmo, poder pensar-se. Em processos psicoterápicos, muitas vezes, ao ouvir a própria voz narrando fatos, ou percepções, o eu se surpreende com uma descoberta sobre si mesmo. Mas o interessante é que o falar para alguém tem uma qualidade diferente do falar sozinho. Quando alguém nos escuta, desta maneira especial, novos caminhos se abrem para o auto-conhecimento.

Brincava a criança 
Com um carro de bois. 
Sentiu-se brincado 
E disse, eu sou dois ! 

Há um brincar  
E há outro a saber, 
Um vê-me a brincar 
E outro vê-me a ver. 

Estou atrás de mim 
Mas se volto a cabeça 
Não era o que eu qu’ria 
A volta só é essa…

É próprio do ser humano pensante e falante o reflexionar-se sobre si mesmo. Quando estamos mergulhados numa experiência, ou mesmo num sonho, por vezes deixamos de funcionar nesta irônica cisão que nos constitui, e sentimos , no aqui e no agora , estar totalmente presentes. Mas logo este outro EU observador é percebido como que nos vendo de fora, a narrar o que se passa.

Brincava a criança 
Com um carro de bois. 
Sentiu-se brincado 
E disse, eu sou dois ! 

Há um brincar  
E há outro a saber, 
Um vê-me a brincar 
E outro vê-me a ver. 

Estou atrás de mim 
Mas se volto a cabeça 
Não era o que eu qu’ria 
A volta só é essa…

O outro menino 
Não tem pés nem mãos 
Nem é pequenino 
Não tem mãe ou irmãos.  

E havia comigo 
Por trás de onde eu estou, 
Mas se volto a cabeça 
Já não sei o que sou. 

E se os deuses são deuses porque não se pensam, somos humanos porque nos narramos continuamente. No atendimento aos adolescentes, que estão passando pelo momento da busca e confirmação da identidade, é comum notar o júbilo com que apresentam para nós as histórias, séries e jogos preferidos, ávidos por falar de si desta maneira especial, revelando-se sem romper a privacidade do Self. Contam-nos detalhes das histórias e desta maneira nos deixam entrever quem são, o que fantasiam, o que temem, o que desejam. Perguntamos sobre os amigos, como são, e que fazem, e assim passamos a saber um pouco mais sobre o nosso adolescente em questão.

O relacionamento com os objetos do mundo também é sujeito a um tanto de acaso… A capacidade de ser poroso à experiência tem a ver com conceito winnicottiano de terceira área. No interjogo entre o eu e o outro, seja este outro um alguém ou um objeto material, busco a mim mesmo mas ao mesmo tempo me deparo com a alteridade do outro, com a natureza da coisa ou objeto. Em dado momento eu leio o objeto com as lentes do meu pensamento, em dado momento sou influenciado por ele, e enfim em algum nível nos encontramos numa rede de significações que é ao mesmo tempo dele, e nossa: a terceira área. A conquista deste espaço potencial não é sempre garantida. Na melancolia, na ansiedade extrema , o eu não pode se permitir estar neste espaço que representa, de certa forma, uma perda de controle. Ao atravessar a ponte que liga o eu e os objetos do mundo, posso aventurar perder-me, para depois voltar, enriquecido pela experiência.

E o tal que eu cá tenho 
E sente comigo, 
Nem pai, nem padrinho, 
Nem corpo ou amigo, 

Tem alma cá dentro 
‘Stá a ver-me sem ver, 
E o carro de bois 
Começa a parecer. 

Fernando Pessoa

Os deuses são deuses porque não se pensam…porque não se pensam

Abaixo o link de spotfy de vários poemas musicados de Pessoa… é necessário estar logado no Spotfy.

Adeus à loucura

Fazer-se cuidar é um processo ativo que envolve bem pouco do que costumamos chamar de adaptação. Adaptação tem um sentido impotente de conformar-se ou adaptar-se às situações, pagando preços por vezes altos demais. A resistência oferecida por esses meninos às situações adversas nos faz pensar em um outro processo, no desenvolvimento de habilidades depassivadoras, e, ao mesmo tempo, produzir ressonância com um outro apesar das diferenças.

Visando ampliar o horizonte ético do tratamento das psicoses em crianças e adolescentes, e contribuir para a memória coletiva, este artigo narra o percurso de um hospital-dia na rede pública paulistana.

Leia o artigo na integra no link abaixo:

Sociedade Civil Percurso – NP (uol.com.br)

p16_texto03.pdf (uol.com.br)

Os elementos masculinos e femininos no amadurecimento : suas expressões no viver criativo


          Winnicott coloca-se como um psicanalista preocupado especialmente com a compreensão do ser humano e seu processo de desenvolvimento. “Desenvolvimento é a minha especialidade”, diz ele na palestra “Este feminismo”, de 1964, e é desta maneira que se propõe compreender o caminho percorrido por homens e mulheres desde a
concepção até a morte.


          O eixo central de sua teoria é o processo de amadurecimento, a continuidade do ser. O seu foco é no aspecto sadio do desenvolvimento, em que considera até a morte natural “como a derradeira marca da saúde” (Winnicott, 1990, p. 30). Saúde para ele significa não apenas ausência de doença, como algumas vezes é conceituada. O desenvolvimento inclui a compreensão das falhas e ausências que tanto podem impedir como propiciar que este seja pleno.


          Dentro deste processo de amadurecimento escolhemos nos deter nos elementos masculinos e femininos, que consideramos uma abordagem de grande originalidade na obra de Winnicott. A constatação da existência desses elementos surgiu numa sessão, em que se viu falando a uma menina dentro de seu paciente- um homem adulto. Essa percepção foi acompanhada da concordância aliviada deste, trazendo novo rumo na condução de sua análise. Viu-se Winnicott diante da tarefa de procurar entender e elaborar a vivência al instalada, já que havia se deparado com algo novo, que não tinha pensado até então e que não tinha nenhuma referência em outros autores. A partir daí começa a formular suas ideias sobre o que seriam tais elementos.

Afirma que não é um conceito novo na psicanálise a ideia da predisposição para a bissexualidade: existem elementos masculinos e elementos femininos em todo o ser humano.

A originalidade de seu pensamento está na concepção de elemento feminino puro e elemento masculino puro como modalidades de relação de objeto, definindo-as como
independentes da pulsão, tal como esta é entendida nos textos freudianos.

           É importante ressaltar que a teoria de desenvolvimento de Winnicott
não se apoia na teoria da libido, no que difere de Freud. Apoia-se, sim, no
amadurecimento pessoal, onde contempla como aspectos fundamentais as tarefas de constituição do “si mesmo” (self) e de sua interação com o ambiente.
           Há uma tendência inata denominada continuidade do ser, espécie de mola propulsora que permite ao ser humano percorrer um caminho que o impele de uma dependência absoluta à busca da independência.
Winnicott parte da concepção de que no início da vida há uma solidão essencial acompanhada de uma dependência absoluta, em que o bebê não se diferencia do seio: ele é o seio. Embora do ponto de vista do observador externo haja a mãe e seu bebê, do ponto de vista do bebê o que existe é uma unidade existencial: o bebê é o seio que o alimenta, o colo que o sustenta, as mãos que o acariciam…

           Neste momento, a mãe, que está à disposição de seu bebê permitindo que ele seja, estaria vivendo esse tipo de relação de objeto chamada elemento feminino puro: ambos estão sendo. A partir do ser (identificação primária com a mãe) o bebê pode experimentar o eu sou (identidade pessoal).

           Nas primeiras mamadas não há diferença entre o eu e o não-eu- é um estado de indiferenciação, há uma mutualidade mãe-bebê. É o que Winnicott denomina “SER e o elemento feminino: a mãe e o bebê simultaneamente separados e unidos” (Abram, 2000, p. 153).

           Para que o bebê prossiga o seu caminho em direção à independência é necessário que a mãe apresente repetidamente o seio de uma forma que Winnicott se refere como “monótona”, ou seja, repetitiva, mas com prazer (não insípida). Essa situação propicia ao bebê a possibilidade de criar esperança, de ter confiança, de poder acreditar no mundo, o que permite a crescente separação e a vivência da sua dependência.           

Só a partir deste momento, que é a base do ser, o bebê pode ir fluindo no seu continuar a existir, dando sequência às tarefas do processo maturacional. Há o emergir de um “si mesmo” (self) e de um sentido de identidade primária. O bebê começa a perceber a distinção entre o eu e o não- eu; o ego mais organizado, que se diferencia e se separa pode agora pôr em ação o elemento masculino puro que é ligado ao fazer. É o momento de poder viver criativamente: o fazer emergindo do ser primordial. Como diz Winnicolt: “Após ser – fazer e deixar-se fazer. Mas ser, antes de tudo” (Winnicott, 1975, p. 120). Estamos falando de criatividade como Winnicott a considerou: uma proposição universal ligada à saúde, significando uma atitude em relação à realidade externa, que implica estar vivo, ou seja, um sentimento de que a vida vale a pena ser vivida.


          Em “Vivendo de modo criativo” (Winnicott, 1975, p. 31), uma das suas últimas conferências (1970), ao definir criatividade, esse autor afirma: Para ser criativa, uma pessoa tem que existir e ter um sentimento de existência, não da forma de uma percepção consciente, mas como uma posição básica a partir da qual operar. Em conseqüência, a criatividade é o fazer que emerge do ser, que indica que aquele que é, está vivo.”

          Diferencia essa criatividade da criação de obras de arte, sendo esta uma forma mais elaborada, diferenciada. Este ato criativo, próprio do artista, tem uma especificidade que foge ao nosso tema neste momento.

          Para existir a criatividade, o elemento feminino puro seria o primordial, próprio da fase de fusão com a mãe. Nestas primeiras relações, caracterizadas pela mutualidade, o bebê vive a ilusão de onipotência e a mãe suficientemente boa coloca o que o bebê cria no lugar e no tempo em que necessita. Fornece assim as condições fundamentais para essa ilusão ser mantida. O bebê sente-se um deus criando o mundo. Os fatos do mundo vão adquirindo sentido para ele, preparando para gradativamente ir suportando a desilusão, a frustração de que o mundo existe antes dele tê-lo “criado”. Essa atitude da mãe permite que a experiência primária de criação vá sendo internalizada, constituindo-se numa fonte interna do viver criativo.


          Esta abordagem da criatividade é diferente de outras teorias psicanalíticas, em que a origem da capacidade criativa se situaria em estágios e mecanismos mais avançados de desenvolvimento mental. Para Freud a capacidade criativa seria uma sublimação de pulsões instintivas que não podem se realizar como tais. Para Melanie Klein, seriam reparações de aspectos agressivos ligados à culpa na posição depressiva. Em Winnicott, a criatividade tem a característica de ser primária, constitutiva, determinante
de saúde e amadurecimento.

          O conceito de onipotência para Winnicott tem também uma definição própria. É uma experiência com caráter criativo e não só de controle mágico do objeto. Nesse sentido não seria concebida como uma defesa, mas como uma vivência necessária, própria do processo de desenvolvimento. O bebê precisa ser confirmado nessa experiência para, em seguida, ir se apercebendo do ambiente. Para isso necessita de uma mãe-ambiente confiável. Se há um abalo nessa confiabilidade, deixa de poder vivenciar a ilusão de onipotência, que pode então se transformar e ser usada como uma defesa – o sentimento de onipotência.


            Retomando a questão do fazer, temos que falar dos instintos, pois o elemento masculino puro não só se apoia, mas pede ação mobilizada pelo instinto. Assim se vê o ser humano diante de uma nova tarefa. A partir do momento em que começa a experienciar os instintos tem de lidar e integrar ao “si mesmo” (self) a sua vida instintiva.  Esta  vivência  no  próprio  corpo,  assim  como  as  diferenças  biológicas  dos  sexos, têm papel fundamental. As diferenças anatômicas, hormonais, entre os sexos são obviamente determinantes de como será o contato tanto com a sexualidade om si, como com o mundo. Ao seguir o seu curso começam a aparecer as diferenças relativas ao gênero: características mais marcadamente masculinas ou mais marcadamente femininas. É um tema importante para futuras reflexões.

Nos primórdios do desenvolvimento o bebê não precisa atender as suas necessidades, pois a mãe é quem vai atendê-las. À medida que vai amadurecendo, o “si mesmo” (self), agora mais definido, o ego já com a função que diferencia o eu do não-eu, vai sendo capaz de sentir as necessidades como próprias, buscando atendê-las. Quando há falhas nesse processo surgem dissociações entre o ser e o fazer. Uma das consequências é a perda do viver criativo, o “si mesmo” (self) passando a ser aquele que está sempre respondendo e se adaptando à realidade externa, em detrimento do “si mesmo” (self) verdadeiro.
           Nesse processo de amadurecimento e separação, Winnicott chama a atenção para um outro aspecto que nos parece de grande utilidade na clínica. Afirma que, apesar da dessemelhança entre os sexos, há uma semelhança básica em relação à questão primordial da dependência absoluta, que o leva a propor um fenômeno separado que denominamos MULHER… que é a mãe não reconhecida dos primeiros estágios de vida de todo homem e de toda mulher” (Winnicott, 1996, p. 150).

Podemos agora refletir sobre a questão da diferença entre os sexos, partindo de como cada um deles vai elaborar esta dependência absoluta de uma mulher. Isso é de fundamental importância para o desenvolvimento da identidade de cada sexo. O homem, para ser “si mesmo” e para constituir a sua identidade masculina, terá que se separar desta MULHER de quem dependeu totalmente. Já a mulher, para se constituir como tal, não precisa estabelecer necessariamente a separação – pode manter-se identificada com esta MULHER.

Observamos, portanto, duas direções distintas: enquanto a mulher lida com a MULHER dentro de si através da identificação, o homem tem que se separar, tomar-se único, o que se constitui em uma urgência no desenvolvimento da sua identidade. A especificidade da identidade feminina caracteriza-se por ser geracional e infinita, isto é, podendo manter dentro de si três mulheres: o bebê menina, a mãe e a mãe da mãe. Esta condição possibilita a mulher o desempenho de diferentes funções sem violar a sua natureza. Pode ocupar posições diversas nas brincadeiras, onde ora é mãe, ora, filha, alternando papéis. Ou ainda na idade adulta, exercendo a sua feminilidade, ocupando o lugar de mãe e/ou de mulher sedutora.


           Enquanto isso, o homem não se funde nessa linhagem-sua condição
básica é a de ser um: o provedor, aquele que faz. É uma função que ocupa
tanto no âmbito familiar, quanto social e profissional: tudo se agrupa em torno desse fazer/prover.

As brincadeiras do menino são mais ligadas ao lutar, brigar, competir- atividades ligadas à ação, enquanto nas meninas elas se expressam nos diferentes papéis associados ao ser: ser mãe, ser filha, ser mulher. A título de ilustração, poderíamos usar como metáforas: para a mulher, um caleidoscópio, com constantes rearranjos; e para o homem, a figura
geométrica de um poliedro, que mesmo mostrando os diferentes lados, mantém a mesma configuração.


           Apesar dessas diferenças, o elemento feminino puro e o elemento masculino puro têm que estar presentes e integrados em todo ser humano, homens e mulheres que, como já dissemos, é a condição primordial do viver criativo.

Referências


ABRAM, J. (2000). A linguagem de Winnicott. Rio de Janeiro: Revinter.
ELLMAN, S.J. (1998). Enactment. Transference and analitical trust. In: ELLMAN and
MOSKOVITZ. Enactment. London: Jason Aronson.
KOHON, G.; GREEN, A. (1999). The greening of psychoanalisis. In: KOHON, G. (ed.)
The Dead Mother: The Work of Andre Green. London: Routledge.
WINNICOTT, D. W.(1975). O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago.
______ (1983). O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artes
Médicas.
______ (1990). Natureza humana. Rio de Janeiro: Imago.
______ (1996). Tudo começa em casa. São Paulo: Martins Fontes.

Cecilia Luiza Montag Hirchzon (https://www.gestoespontaneo.com.br/cecilia-l-montag-hirchzon/)
Maria Cecilia Schiller Sampaio Fonseca ( Membro associado da SBPSP, membro efetivo da SBPR).
Maria Lúcia de Toledo Moraes Amiralian. (Docente do Instituto de Psicologia da USP. Doutora em Psicologia Clínica do IPUSP)

extraido da revista -Panorama – SBPSP (2003)

A mãe, a bruxa e outros contos de fada

Ontem aconteceu a jornada de saúde mental da mulher no Hospital das Clínicas : no dia das bruxas. Ótima oportunidade para não jogar mais uma vez a mulher na fogueira. Hoje reunimos pessoas que trabalham com a perinatalidade. Na busca de um olhar multiprofissional sobre os transtornos, sincronicidade : chegar ao que transtorna as mulheres. Pudemos pensar no conceito winnicottiano de preocupação materna primária, um pouco enviesado, talvez, por uma certa idealização da mulher. Pudemos falar da escassez de trabalhos sobre a saúde mental paterna e sobre o preconceito em tratar a mãe com doença mental. É bom ver falar pessoas que fazem do cuidado com a perinatalidade uma parte da sua vida, como a Érika, com seus anos de experiência com a amamentação, e o Dr Galetta, contando que os obstetras adoram “puxar a orelha das pacientes” e tem medo de perguntar sobre saúde mental. Nas revisões cuidadosas de Rodrigo, Alexandre e Joel sobre as medicações que não fazem mal, quando se amamenta ou se está grávida. Nas perguntas dos participantes e nas explicações de Leiliane, sobre o trabalho com a respiração na ansiedade materna. O que se ouve dessas palavras é a experiência de pessoas que tem um lugar de fala, que falam com o coração. E assim falam ao coração.

Quando a Vera chegou, trouxe seu ponto de vista, sobre como a fala de Winnicott sobre a aptidão materna pode trazer a idéia de que haveria uma naturalidade neste amor, assim tornado jugo e destino. Alexandre em sincronicidade lembrou do pensamento junguiano, do arquétipo que pertence a todos nós, homens, mulheres, cis, trans- arquétipo materno. Como descolar da imagem da mulher a função materna que cabe a todos nós desempenhar- pensamento com certeza subversivo e que nos desafia a rever conceitos e palavras que repetimos sem perceber?

Nem bruxa, nem fada, a mãe é alguém que pode tentar, ou não. Pode dar de mamar, ou não. Pode adotar sua cria, ou não. Mas certamente não poderíamos ter existido como pessoas sem ter tido alguém para cuidar de nós no início da vida. O que precisamos aprender a ver é que a idealização da mãe provém mesmo de um medo e de um segredo que todos conhecemos desde sempre, de que sem o amor do outro nada somos, nada seremos.

Ontem, além de termos aprendido um pouco mais sobre tantas coisas, pensar foi bom, pensar o paradoxo que nos define como pessoas humanas, solitárias e dependentes ao mesmo tempo.

Diz a lenda que se você entrar no banho e gritar 3 vezes MÃE aparece uma mulher e te leva a tolha que você esqueceu. Essa frase engraçadinha fala da função materna- essa que faz com que alguém quase que adivinhe o que você precisa, no momento exato, na hora oportuna. Um tipo de bruxa, ou fada, dotada de poderes mágicos e adivinhatórios. Mas e se você entrar no banho e gritar 3 vezes TOALHA, ou PAPAI, ou VOVÓ?

Crescer é poder levar humildemente sua própria toalha ao banho… mas não se esquecer de como é bom estar mergulhado numa água bem quentinha. Acreditar em bruxaria dá medo demais. Pessoa crescida não deve de ter prazer em botar o outro na fogueira, por causa de um medo-segredo muito conhecido-desconhecido.

Agora, mãos à obra, há muito a fazer.

Obrigada a todos que estiveram nesta jornada, Maíra sempre presente, e à Patrícia, Rafael e Thiana que tornaram possível a execução de todo o projeto.