A mãe, a bruxa e outros contos de fada

Ontem aconteceu a jornada de saúde mental da mulher no Hospital das Clínicas : no dia das bruxas. Ótima oportunidade para não jogar mais uma vez a mulher na fogueira. Hoje reunimos pessoas que trabalham com a perinatalidade. Na busca de um olhar multiprofissional sobre os transtornos, sincronicidade : chegar ao que transtorna as mulheres. Pudemos pensar no conceito winnicottiano de preocupação materna primária, um pouco enviesado, talvez, por uma certa idealização da mulher. Pudemos falar da escassez de trabalhos sobre a saúde mental paterna e sobre o preconceito em tratar a mãe com doença mental. É bom ver falar pessoas que fazem do cuidado com a perinatalidade uma parte da sua vida, como a Érika, com seus anos de experiência com a amamentação, e o Dr Galetta, contando que os obstetras adoram “puxar a orelha das pacientes” e tem medo de perguntar sobre saúde mental. Nas revisões cuidadosas de Rodrigo, Alexandre e Joel sobre as medicações que não fazem mal, quando se amamenta ou se está grávida. Nas perguntas dos participantes e nas explicações de Leiliane, sobre o trabalho com a respiração na ansiedade materna. O que se ouve dessas palavras é a experiência de pessoas que tem um lugar de fala, que falam com o coração. E assim falam ao coração.

Quando a Vera chegou, trouxe seu ponto de vista, sobre como a fala de Winnicott sobre a aptidão materna pode trazer a idéia de que haveria uma naturalidade neste amor, assim tornado jugo e destino. Alexandre em sincronicidade lembrou do pensamento junguiano, do arquétipo que pertence a todos nós, homens, mulheres, cis, trans- arquétipo materno. Como descolar da imagem da mulher a função materna que cabe a todos nós desempenhar- pensamento com certeza subversivo e que nos desafia a rever conceitos e palavras que repetimos sem perceber?

Nem bruxa, nem fada, a mãe é alguém que pode tentar, ou não. Pode dar de mamar, ou não. Pode adotar sua cria, ou não. Mas certamente não poderíamos ter existido como pessoas sem ter tido alguém para cuidar de nós no início da vida. O que precisamos aprender a ver é que a idealização da mãe provém mesmo de um medo e de um segredo que todos conhecemos desde sempre, de que sem o amor do outro nada somos, nada seremos.

Ontem, além de termos aprendido um pouco mais sobre tantas coisas, pensar foi bom, pensar o paradoxo que nos define como pessoas humanas, solitárias e dependentes ao mesmo tempo.

Diz a lenda que se você entrar no banho e gritar 3 vezes MÃE aparece uma mulher e te leva a tolha que você esqueceu. Essa frase engraçadinha fala da função materna- essa que faz com que alguém quase que adivinhe o que você precisa, no momento exato, na hora oportuna. Um tipo de bruxa, ou fada, dotada de poderes mágicos e adivinhatórios. Mas e se você entrar no banho e gritar 3 vezes TOALHA, ou PAPAI, ou VOVÓ?

Crescer é poder levar humildemente sua própria toalha ao banho… mas não se esquecer de como é bom estar mergulhado numa água bem quentinha. Acreditar em bruxaria dá medo demais. Pessoa crescida não deve de ter prazer em botar o outro na fogueira, por causa de um medo-segredo muito conhecido-desconhecido.

Agora, mãos à obra, há muito a fazer.

Obrigada a todos que estiveram nesta jornada, Maíra sempre presente, e à Patrícia, Rafael e Thiana que tornaram possível a execução de todo o projeto.