Manoel poeta

Feliz dia da criança. Vou pegar aqui umas ideias do nosso saudoso Victor Guerra, para falar de poesia. Em um belo artigo falando sobre ritmo e subjetivação, um dos seus temas preferidos, Victor retoma os primórdios da linguagem. Para ele, a linguagem antes da linguagem categorial (adquirida como uma primeira castração) é rica em sons de todos os tipos e polissensorial. Quando um bebê cresce e aprende a falar, a tirania da linguagem exercida sobre o mundo sensível dos sentidos (visão, audição, olfato, tato, paladar) com suas regras lógicas , sintáticas, gramaticais, de separação sujeito-objeto com privilégio dado ao verbo (ação) vem para subordinar em nós o infantil, este infantil que alguns poetas resgatam justamente ao desconstruir as palavras em suas invencionices. Os ritmos, as pausas, a sonoridade ocupam a poesia além do sentido comum das palavras. Nosso poeta brasileiro , Manoel de Barros, era um dos preferidos de Victor Guerra . Trabalhava “a infância da língua”, ou seja, a experiência de polissensorialidade “ em que havia “uma correspondência e uma passagem de um canal sensorial a outro, com valor metafórico e poético“. Manoel de Barros, que viveu a maior parte da sua vida no pantanal perguntava: “se o lagarto pode lamber o lado azul do silêncio “.

Nós podemos?

Para Victor, o infantil e o “arcaico” não devem se referir

” apenas ao eixo temporal, o que começou primeiro” , mas seu aspecto fundamental talvez seja “dar forma a um “originário incessante”, fonte de criação e de descoberta do mundo e da novidade para um bebê“- maravilhamento do mundo.

Maravilhamento?

Para o ofício da psicanálise é preciso ter o pasmo essencial, a possibilidade de ouvir- através- de, e aprender de novo a cada momento a musiquinha do inconsciente que é um rio profundo e cantante , às vezes difícil de ouvir. Lamber o azul do silêncio?

Dia da criança: vamos ler poesia.

E o que vejo a cada momento

É aquilo que nunca antes eu tinha visto,

E eu sei dar por isso muito bem…

Sei ter o pasmo essencial

Que tem uma criança se, ao nascer,

Reparasse que nascera deveras…

Sinto-me nascido a cada momento

Para a eterna novidade do Mundo.

(Aberto Caieiro)

http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ide/v40n64/v40n64a04.pdf

( Dedico este post à minha querida amiga Carla , que foi quem me apresentou o poeta Manoel de Barros).