Amamentação e sexualidade: falando sobre isso

O processo de amamentação é de grande riqueza quando pensamos na sintonia que com ele se estabelece entre a mãe e o bebê. Para mais além das vantagens nutricionais e imunológicas, na amamentação há aspectos emocionais que contribuem para o desenvolvimento, no bebê, da experiência de continuidade de ser. A idéia da continuidade de ser é formulada por Winnicott considerando que o bebezinho tem uma pequena capacidade de tolerar os estresses ambientais: barulhos fortes, alterações de temperatura, e até a própria fome que ele não tem condições de perceber que vem de dentro dele mesmo ! Sensações ruins desorganizam o bebê, e cabe à mãe ou aos que dele cuidam garantir a ele um ambiente acolhedor, quentinho, transições suaves , e o atendimento às suas necessidades : que no início são muito grandes. Quem já cuidou de um bebê pequeno sabe que há um grau de exigência alto do ambiente para que tudo corra bem. A tarefa que pode parecer simples é de fato muito complexa, demandando dedicação e amor. Na amamentação que corre bem, o bebê experimenta a sensação de que o seio está lá exatamente quando ele precisa, e essa sensação aumenta a sua experiência de continuidade de ser. Obviamente para que isso ocorra a mãe estará muito atenta e sintonizada com ele. Essa é a grande riqueza da experiência de amamentação de que nos fala Winnicott.

Pode parecer estranho falar de amamentação e sexualidade se pensamos na sexualidade genital, associada à procriação e ao erotismo adulto. Mas do ponto de vista psicanalítico a sexualidade é muito mais ampla, diz de todos os prazeres que vem do corpo e faz parte da vida , nos ligando aos objetos do mundo. Para o bebê o prazer oral de mamar e sugar está conectado ao seu modo de alimentação . Por isso a gratificação de suas necessidades neste âmbito torna-se uma experiência emocional , afetiva. Para a mãe, amamentar também se torna prazeroso ( embora possa haver muitas dificuldades iniciais), e no processo de alimentar o bebê a mãe se conecta ainda mais a ele.

É natural que no puerpério a sexualidade se desloque,do ponto de vista da mãe , para o bebê – e o seio que foi uma zona erógena de prazer para o casal esteja agora ligado ao processo da amamentação, em outro registro libidinal. É importante falar do pai ( ou parceiro- parceira) que em alguns momentos pode se sentir excluído da relação mãe- bebê. Mas o tempo passa e chega o momento em que a adaptabilidade quase perfeita deixa de acontecer: o bebê já pode esperar, e a mãe já deseja retomar aspectos da sua vida que foram deixados de lado no processo. O casal parental deseja retomar sua vida erótica genital, voltar a namorar. Sobre isto falaram Cleyton e Denise, pediatra e psicanalista, na live abaixo. Vale conferir.

( texto de Arianne Angelelli)

Live realizada em 20/08/20 com o pediatra Cleyton Angelelli e Denise Feliciano

O abraço partido

De repente, neste dia dos pais, penso naqueles que não tem o seu pai consigo. Na falta que faz um pai.

Tem os pais que já morreram, mas também tem os pais que foram embora, tem os pais que nunca estiveram aqui. Quando um pai vai embora, em seu lugar ficam muitas perguntas. Outros podem exercer o seu papel, mas o abandono de um filho por seu pai é difícil de entender, do ponto de vista do filho. Os laços que ligam um pai ao seu filho não são somente biológicos. Divórcios difíceis, relações fugazes, situações externas…e os pais muitas vezes vão embora. No nosso trabalho de analistas encontramos muitas destas feridas . Pais que se sentem estranhos em relação aos seus filhos, filhos que mal conhecem, ou não conhecem seus pais. É bem dolorido pensar que o pai faltou em sua vida- qual a razão para este abandono…. Falo aqui , mesmo, desta pessoa, deste homem, que veio e partiu. A função paterna, esta, pode ser exercida por outras pessoas. Pode-se crescer, pode-se amar, trabalhar, sem a presença do pai. Mas fica uma dor quando ele parte, pois em nosso íntimo sabemos que este homem se furta a uma responsabilidade, e sua partida é abandono. Para a criança é difícil enxergar quando a ponte entre si e seu pai está obstruída pela própria mãe, ou pela força de alguma circunstância. O abandono é intransitivo.

Muitas vezes, o tempo passa e as circunstâncias mudam. Quando se reencontram pai e filho, pode haver reparação e a criação de outras pontes, sobre as ruínas daquela que foi destruída. O tempo que passou, não volta. Mas as memórias podem ser relidas com as lentes da compreensão. Pode-se enfim dizer, em muitos casos, que entre um pai biológico e um filho nada existe- e passar do rancor à gratidão por aqueles que garantiram sua vida e a sustentaram com seus laços amorosos. Porém, negar a dor não faz com que desapareça. Se pranteada, o luto necessário pode acontecer…a dor toma um destino e pode parar de doer.

Como se constroem as pontes que ligam o pai e seu filho? A lei garante a pensão, mas a ponte, não. É difícil aprender a amar alguém a quem não se viu crescer. Os momentos repartidos valem mais que mil presentes.

A história de Ariel , no filme “O Abraço Partido” ( Daniel Burman, 2004) é a história de muitos que se sentem abandonados pelo pai. No decorrer do filme, percebemos as dores da família, de origem judaica, que permanecem encriptadas por conta das violências e rupturas sofridas. Em uma conversa com sua avó, Ariel descobre que ela era cantora, e não cantou mais depois que deixaram a Polonia:

Ainda nao sei… quando escapamos do gueto com seu avô, viemos à Argentina. Não tinhamos nada. Eu, em Varsovia, cantava em um clube, com as meninas.

-você cantava?

-Sim , mas quando nos instalamos na Argentina, o avô não quis que eu cantasse mais.

-Por que?

-Dizia que lhe recordava o horror, sua família, amigos que já não estavam… e eu para não fazê-lo sofrer…cantava para dentro…o que eu amava cantar, cantava em minha mente.

Ariel quer fazer o caminho inverso, sair do país em crise e tornar-se cidadão europeu. O pai, que partiu para a guerra de Yom Kipur, ele não conhece. O pai perdeu seu braço na guerra. Quando tenta se reaproximar, depois de anos, encontra uma resistência por parte de Ariel. Assim, a ruptura e a perda vão se reeditando; a avó que não canta, o pai que perdeu o seu braço, o moço que não conheceu o seu pai. O reencontro entre Ariel e seu pai Elias é o ponto alto do filme, uma cena muito bonita, que nos toca pela sua dramaticidade e verdade. Percebemos no olhar do pai que o filho sempre esteve presente em seu coração.

Muitas vezes na tentativa de ouvir as feridas dos abandonados, encontramos histórias de abandonos transgeracionais e suscessivos. Um pai que deixa seu filho à própria sorte carrega consigo também esta marca:

“    Um homem chegou aos quarenta anos e assumiu a tristeza de não ter um filho. Chamava-se Crisóstomo. Estava sozinho, os seus amores haviam falhado e sentia que tudo lhe faltava pela metade, como se tivesse apenas metade dos olhos, metade do peito e metade das pernas, metade da casa e dos talheres, metade dos dias, metade das palavras para se explicar às pessoas”. Via-se metade ao espelho e achava tudo demasiado breve, precipitado, como se as coisas lhe fugissem, a esconderem-se para evitar a sua companhia. Via-se metade ao espelho porque se via sem mais ninguém, carregado de ausências e de silêncios como os precipícios ou poços fundos. Para dentro do homem era um sem fim, e pouco ou nada do que continha lhe servia de felicidade. Para dentro do homem o homem caía.

Este é um trecho do livro “O filho de Mil homens” de Valter Hugo Mãe. O pai de Ariel, Elias, também lhe falta um pedaço: o pedaço dos abraços que não pôde dar em seu filho enquanto ele crescia.

Este dia dos pais, dedico aos pais e aos filhos que não puderam se abraçar.

Nesta cena, Ariel vê seu pai, reconhece a falta do braço que ele perdeu na guerra. Sua reação nos dá a ideia da dimensão da sua angústia.

A crueza e a beleza de viver o possível

Sobre o filme: Hanami – Cerejeiras em flor
Direção: Doris Dörrie; Produção Alemanha/França, 2008

Observação: o texto revela o roteiro do filme [ALERTA DE SPOILER]

Em “Hanami”, na primeira cena, a morte é logo anunciada. Trudi (Hannelore Elsner) fica sabendo que Rudi (Elmar Wepper) tem pouco tempo de vida. Os médicos contam apenas para ela e sugerem que os dois façam uma viagem, enquanto é possível. “Meu marido não gosta de aventuras” responde e resolve guardar sua angústia e o segredo. No entanto, pede ao homem para irem visitar o filho mais novo em Tóquio. Ela ama a dança japonesa do Butoh e tem o sonho de conhecer o Monte Fuji, mas ele acha muito caro, “talvez depois da aposentadoria”. Então, o casal visita os outros dois filhos em Berlim e, diante do desencontro de gerações, decidem ir passar uns dias na praia. Mas, o inesperado acontece. Trudi morre dormindo. Morre com seu segredo, com seus sonhos. A realidade toma outro curso.

A falsa sensação de permanência do estar vivo, com suas rotinas e certezas, traz uma perspectiva de que sempre se terá tempo para o futuro, como se a negação da perspectiva de um fim acabasse mortificando o viver em repetições previsíveis.

O que lembra a efemeridade assusta: a doença, o envelhecimento, a possibilidade do morrer. As moscas, lembradas no poema recitado em família, aparecem como importunos insetos que precisam ser afastados ou esmagados para que não atrapalhem a sensação de continuidade, com sua existência efêmera. Por outro lado, a perda iminente ou concretizada de um ser querido quebra esse arranjo confortável e chama, à cena, a fragilidade humana.

Ele, agora viúvo, vai à Tóquio, levando as roupas da mulher na mala, desejando que de alguma forma ela esteja presente. É primavera e depois de alguns dias, o filho o leva para o Hanami Festival.

Contemplar as flores das cerejeiras é uma tradição milenar no Japão. É uma forma de apreciar a beleza e brevidade da floração, que dura cerca de 14 dias, ao sentar embaixo das árvores, com a família e amigos, comendo e celebrando a vida, enquanto é possível. Observar as flores, a sua natureza cíclica, coloca, no tempo, a percepção da finitude, que coabita a existência.

Voltando ao jardim, Rudi conhece Yu (Aya Irizuki), uma jovem órfã, que dança o Butoh no parque. Com ela, consegue conversar sobre sua perda, entender o significado da dança com as sombras e os sentimentos.

O Butoh, por ser uma dança sem coreografia própria, mostra um corpo em transformação, que constrói e desconstrói sua identidade em ritmos particulares, transitórios. Através da fluidez da forma, busca expressar e alcançar a essência do dançarino. O marido enlutado, anteriormente preso à suas tarefas e costumes, nesta nova convivência, veste outra roupagem, inusitada.

A menina passa a ser sua intérprete, uma ponte à língua japonesa e ao mundo sensível da sua esposa. Eles fazem uma viagem para ver o Monte Fuji, mas a montanha diariamente se esconde na neblina. Quando, numa madrugada, finalmente a montanha fica visível, o homem, sentindo-se cada vez mais doente, dança o Butoh, vestido com as roupas de Trudi, e encontra a morte.

Quando Winnicott anota em suas memórias: “Oh, Deus! Possa eu estar vivo quando morrer” sublinha a valorização da experiência, o exercício constante de sentir-se real mesmo diante da terminalidade. A vivacidade de estar presente em seus gestos, na expressão de si mesmo é interagir e observar a realidade sem estar submisso a ela.

Muitas vezes para lidar com a inevitabilidade da perda, viver passa a ser uma repetição de atos rotineiros, metódicos, que afasta a espontaneidade, a criatividade. O próprio futuro surge como uma fuga para o eterno. Desvestir-se das ilusões, sentir a falta do outro que segue suas próprias leis e caminhos e reinventar-se são tarefas diárias, mas que por vezes somem no cotidiano, como nas manhãs que se repetem na cidadezinha do interior em que os personagens moram.

O entorpecimento, trazido pela negação da vulnerabilidade humana, borra os limites entre o que é subjetiva e objetivamente percebido, inibindo a ação criativa. Quando diariamente Rudi chegava para jantar, no tempo em que vivia com sua mulher, e encontrava os charutos de repolho prontos para comer, pelo costume, turvava-se a realidade de que ali existia alguém que os fizera. Após sua perda, quando chega na casa vazia, a falta, objetivamente, explicita o engano. Mais tarde, no Japão, a partir da receita da esposa, pode brincar, inventar, recriar a partir da visibilidade da separação e cozinhar os charutos para o filho.

D.W.Winnicott afirma: “É com base no brincar que se constrói a totalidade da existência experiencial do homem. Não somos mais introvertidos ou extrovertidos. Experimentamos a vida na área dos fenômenos transicionais, no excitante entrelaçamento da subjetividade e da observação objetiva, e numa área intermediária entre a realidade interna do indivíduo e a realidade compartilhada do mundo externo aos indivíduos”.

Experimentar a impermanência das coisas e das pessoas, abre portas para a angústia, mas também para um convite a desfrutar a realidade provisória em que se vive. As cerejeiras em flor carregam dentro da sua beleza o sentido da transitoriedade e a urgência do presente.

Nessa época em que a pandemia atual marca a fugacidade da vida, colocando as pessoas como moscas presas numa garrafa do tempo presente, resta a crueza e a beleza de viver o possível, que limita e liberta.


de tantos instantes
para mim lembrança
as flores de cerejeira

?
Matsuo Bashô


Cena final do filme “Hanami – Cerejeiras em flor”

Rapunzel e sua torre:considerações a respeito da psicose puerperal

Entre a psicose e a normalidade existem mais conexões do que  gostaríamos de acreditar- e a familiaridade do estranho da psicose nos assusta justamente por sua ressonância em nós mesmos. Diz Nino Ferro “Naturalmente, é com os pacientes graves (e com as partes psicóticas de cada paciente) que continuamente nos expomos às maiores dificuldades… à espera de poder transitar por zonas ainda escuras e cegas da nossa mente”.
Como então distanciar-se do terror da psicose puerperal e dos  transtornos mais graves que podem ocorrer no período perinatal- se um dia já fomos também bebês em estado de dependência absoluta, se a rejeição ao bebê não nos provoca empatia? Se o próprio feminino em nossa cultura não nos fornece referência suficiente? Vivemos numa cultura do matricídio, em que as coisas inanimadas prevalecem sobre o humano, e a relação mais primeira, da mãe com seu bebê, é idealizada ou reificada mas não encontra proteção ambiental necessária ao seu sustento. “É preciso uma tribo para cuidar de um
bebê”, diz o ditado. Esta verdade parece estar sendo esquecida nos nossos dias.
Sucumbem os indivíduos mais frágeis diante das pressões e da instabilidade característica da fase perinatal. Instabilidade esta que é orgânica,pelas intensas flutuações hormonais, pela privação do sono, pelas vicissitudes do corpo e seu Real , tão presentes no momento. Mas também psíquica ,também social, também familiar.
Para a psiquiatria, a conexão entre psicose puerperal e transtorno bipolar faz-se evidente, delimitando um fator de risco dos mais importantes.
Porém, para o analista, a desconstrução do rótulo e a busca de um sentido para o sujeito importam mais. No contato com a paciente o terapeuta tenta prosseguir na construção de um “historiar” e um acolhimento para o delírio -composição e remendo criado pela pessoa para dar significado às suas  vivências. A aliança terapêutica é um holding que vai possibilitar o outro holding, o holding do bebê, impossível nos estágios iniciais de desorganização em que a paciente se encontra. Aqui importa menos o reencontro da mãe e do bebê do que a a possibilidade de a mãe re-significar a si mesma, aprisionada
que está dentro da torre da psicose.
Delírios envolvendo o roubo ou a troca do bebê são muito comuns na psicose puerperal. Podem estar muito estruturados (como vimos no filme “O bebê de Rosemary” de Polanski) ou, no mais das vezes, conectados a um estado paranóide difuso, ligado a grandes flutuações do humor. O que  na psicose aparece como delírio surge como fantasia no período do blues puerperal.
Nesta ocasião de transparência psíquica os ciúmes e conflitos surgem como uma forma camuflada do temor de não ser suficiente, de ter seu bebê “sequestrado” pela sogra, pela enfermeira super competente, ou pela própria mãe. Ansiedades estas que são mitigadas pelo ambiente continente, pela passagem do tempo e pelo descanso. O próprio contato com o bebê faz diluir paulatinamente a flutuação do humor de base neurótica do blues puerperal.
Mas na psicose, o terror é vivenciado – não é bonita a psicose, nem fácil de suportar. Os casos puerperais costumam ser muito graves. Mas, pertencendo ao sitio do estranho, não deixam de ressoar profundamente em nós. Quando eclode o surto, muitas vezes ainda no período da internação, intensas angústias mobilizam toda a equipe do hospital- em geral despreparada para isso. Às vezes a visão médica domina a cena, o que pode roubar à mulher a oportunidade de encontrar, a partir da crise, um caminho para a subjetivação. Sem cuidado, a família se desorganiza, impossibilitada de dar e receber escuta. É quando iatrogenias ocorrem, porque o sujeito psicótico deixa de ser considerado um sujeito, mesmo que a desorganização ocorra de forma autolimitada, mesmo nos casos de resolução mais rápida da crise. A equipe hospitalar raramente tem condições de manejar casos de tanta complexidade.
Apesar de não ser infecciosa, a loucura “pega”, e pega de um jeito que muitas vezes não se percebe. Porém, somente uma atitude cuidadosa e não julgadora tem chance de atingir paciente e família neste momento. Há que se encontrar dialética no cuidado : enquanto, de um lado, o psiquiatra busca e ajusta as medicações, o manejo da enfermagem é de particular importância, pois as famílias se desestruturam e a paciente está muito regredida. Enquanto o antipsicótico age para reduzir as manifestações
delirantes e a desorganização, no contato com a paciente o terapeuta prossegue fornecendo uma escuta única, uma escuta para o delírio, para o ser quebrado desta mãe que ainda não pode constituir-se como tal. Sem contar a particularidade da vinda do bebê: quem vai se ocupar dele? Tamanha é a complexidade do manejo nos casos de psicose puerperal.

No conto de fadas que narra a história da Rapunzel, a apropriação pela mulher de algo que pertence à bruxa faz com a mesma reivindique o bebê desta mulher, assim que ele nasce: como pagamento pelo roubo. Sua primeira filha.

Ou seja: a Rapunzel nasce de uma mulher que, na gravidez, comeu rabanetes roubados da horta da bruxa. Mulher que, ao parir, paga uma dívida .
Para quem não se lembra da história, a menina Rapunzel cresce encerrada em uma torre até poder ser resgatada por um príncipe. No conto, é a mediação do príncipe que desfaz o encanto do seu aprisionamento.
Pensando no período pos-parto, podemos imaginar  a psicose como um aprisionamento em que a mãe, que deve à bruxa, não pode apropriar-se do lugar materno. Outrossim, tem seu bebê roubado. Que bruxa é esta? Sua própria mãe? Algo de sua história?
Como saber… Cada mulher e cada Rapunzel terão sua história particular. Mas sabemos que mulheres psicotizam mais no pós parto do que em qualquer outra época da vida… Pois algo arriscado acontece à mulher que pare e é convocada a tornar-se Mãe. Agora ela é chamada a responder a uma pergunta e ocupar um novo papel. Este bebê é meu? Tenho permissão para ocupar este lugar?
Penso que a estória de Rapunzel é cena e enredo vivido no pós parto de muita mãe que passa a delirar sobre a troca, a morte, o sequestro de seu bebê.
De certa forma, é a mãe que está então confinada na torre da sua própria psicose. A mulher, roubada de si mesma, estará à espera de um terceiro, um mediador, que quebre o encanto da indiferenciação entre ela e a bruxa. Estará à espera do “príncipe” sem o qual jamais poderá se separar, se organizar, tocar o chão. Quem poderá enfim ajudá-la a tecer, no vão que surge entre as suas tranças cortadas- cortadas como um cordão umbilical- um pouco de sentido, um tanto de coragem, para poder se apartar da bruxa? Eis uma aproximação poética do trabalho a ser feito no caso da psicose. Dizem que o príncipe também, ao tentar chegar perto da Rapunzel, levou um tombo danado. E aí,
quem se habilita? Será que esta história ainda pode ter um final feliz?
Arianne Angelelli
Julho- 2020