Birras!!!!

Alerta de spoiler: este não é mais um post que vai lhe dar dicas sobre como lidar com as birras dos seus filhos.

Terrible two

Dizem que esta é a fase dos terríveis dois anos. Se tudo correu bem, chegamos até aqui! Mas o que é tão terrível nestas birras e teimosias? Que grande desafio é esse? Como estes seres tão pequenininhos passam a ter tanto poder sobre nós? Na fase da birra, os pais são desafiados mais uma vez. Quando o bebê nasceu, o desafio foi aprender a cuidar de alguém tão dependente. Foi difícil. Foi maravilhoso. Mas agora… agora os sentimentos são outros.

Impotência, irritação, raiva. Tudo vira disputa e confusão. Os pais é que entram numa fase terrível. Serão testados em sua consistência, paciência, firmeza e convicção. E será necessário aos pais ter jogo de cintura e maleabilidade. Será necessário que repensem sobre o que é importante, em relação às regras e aos limites. Que pensem no que desejam transmitir para seu filho em sua trajetória dentro da sociedade humana. Divergências que eram antes desconhecidas entre o casal podem vir à tona no momento em que o filho chega à fase do “terrible two“. Como fazer? Como lidar? Vale ser severo, rígido? O que fazer quando o menino ou a menina se jogam no chão, aos berros? Vale ser paciencioso, condescendente? Dá para negociar com a criança? Ou é melhor ignorar a birra? Os pais se acusam mutuamente. A família vem para julgar. Cenas e “shows” acontecem diante da plateia familiar.

Primeiro os pais se sentiam julgados se o filho não mamava, não dormia ou não falava bem. Agora, são julgados pela impertinência e pelas “malcriações” do filho. Chovem palpites, recriminações. A criança que está se desenvolvendo bem aprende rapidamente quais são os pontos fracos dos seus pais. Por que ela faz isso? Só para chatear, para irritar, para testar?

"Mãe com crianças e laranjas”, Picasso, 1951
Mãe com crianças e laranjas”, Picasso, 1951

Na verdade, a criança que faz birras está construindo suas capacidades emocionais e para tal está recrutando seus pais. Ela os quer firmes e amorosos ao mesmo tempo, presentes , maleáveis e resistentes. A criança vai atacar os pais para que eles possam sobreviver aos seus ataques. Assim, poderá construir a ideia de ser separada deles, com uma mente própria. A raiva, o ciúme, a inveja, a disputa: todos estes afetos difíceis começam a aparecer no palco do drama familiar. A criança tenta adquirir um controle sobre sua vida e sobre as emoções dos seus pais. Se a criança ganhar este jogo, ficará desesperada! Pois os limites é que darão segurança à criança.

Como ajudar nosso filho a lidar com o NÃO?

Para isso, precisamos rever aspectos profundos de nós mesmos . Como você lida com os limites? Você se resigna, se revolta, ou você sabe negociar com as dificuldades da vida? Como você faz para viver em sociedade, seguir as regras da boa convivência, do respeito ao outro, sem que por isso se sinta submetido, ressentido e amargo? Como abrir mão da onipotência infantil e achar gosto na vida real, onde sempre falta algo ou alguém para nossa felicidade ser completa?
Adultos também fazem birras. Alguns se mantém vivos por meio dos embates que travam com a vida. Esses embates podem estar encobrindo uma real dificuldade de se adaptar, pensar, abdicar da condição de estar no controle, ter poder sobre o outro.

Entendamos então, a importância da fase das birras, que vai dos 2 aos 3 anos de idade mais ou menos. Para Winnicott ” é no entremeio que talvez resida a coisa mais difícil no desenvolvimento humano, ou talvez a mais penosa de reparar, de todas as falhas iniciais que ocorrem. O que existe no meio…é o fato de o sujeito colocar o objeto fora da sua área de controle onipotente; isto é, o sujeito perceber que o objeto é um fenômeno externo, não uma entidade projetiva, na verdade, o reconhecimento de que o objeto é uma entidade autônoma.” É a fase importante da birra que traz para a criança, por meio dos embates com o adulto, a noção firme de aonde ela começa e termina, de aonde o pai começa e termina, de onde a mãe começa e termina. Há um triângulo, e em seus vértices estão o bebê, a mamãe e o papai. Ao perceber que os pais tem uma vida própria, e se amam, e vivem sua vidas independentemente do desejo da criança, ela perde e ganha. Perde a ilusão da onipotência, sofre o ciúme, a inveja e o limite! Mas ganha a possibilidade de estar só, ganha a possibilidade de perceber que também ela pode se ligar a outras pessoas: os primos, a vovó, os amiguinhos da escola. O NÃO é uma estrada com duas direções: ajuda a criança a se definir, se reconhecer, se direcionar . O pai que diz não à criança está também dizendo a ela que é bom crescer, e que ela também poderá dizer não ao outros, aprendendo a reconhecer seus desejos verdadeiros.

É verdade que Winnicott também fala do amor primitivo, referindo-se aos estados excitados do bebê, carregados de tensão instintual, mas este “amor” é feito de necessidade, e nada sabe sobre a existência externa de um outro. O amor do objeto que sobrevive à destruição é toda uma outra coisa; trata-se agora do sentimento de um eu – que, embora incipiente é inteiro e separadodirigido para um outro, como pessoa inteira e separada. O pré-requisito para este amor é o mesmo que para o exercício da genitalidade que se quer madura, e que não é apenas um exercício solitário; também nesta é preciso que o objeto seja percebido como externo e separado do indivíduo. Ou seja, o amor é constituído no interior do processo de amadurecimento.” *

É a face mais dura do amor. Onde eu termino, você começa.

Amor é o que se aprende no limite, como dizia Drummond : amor começa tarde. O amor está ligado à maturidade. Sem passar pelo “terrible two” a criança estará paralisada no seu desenvolvimento. Terrível , mesmo, é descobrir que mais que dois existem mais. Mas sem esta constatação estaremos presos num mundo de onipotência, desespero e solidão.

  • Elsa Oliveira Dias- A teoria do amadurecimento de D.W.Winnicott, 4 ed, 2017, pag 224.

Ciranda, do Palavra Cantada!!!

Benzinho- a Nossa Pietá brasileira


Benzinho-  A nossa pietá brasileira

Sobre a relação do homem com sua mãe, a nossa blogueira  do Gesto Espontaneo , Cecilia Hirchzon escreve *:

“O homem, para ser “si mesmo” e para constituir a sua identidade masculina, terá de se separar desta Mulher,  de quem dependeu totalmente. Já a mulher, para se constituir como tal, não precisa estabelecer necessariamente a separação – pode manter-se identificada com essa Mulher. Observamos, portanto, duas direções distintas: enquanto a mulher lida com a Mulher dentro de si através da identificação, o homem tem que se separar, tornar-se único, o que se constitui em uma urgência no desenvolvimento da sua identidade. A especificidade da identidade feminina caracteriza-se por ser geracional e infinita, isto é, podendo manter dentro de si três mulheres: o bebê menina, a mãe e a mãe da mãe. Essa condição possibilita à mulher o desempenho de diferentes funções sem violar a sua natureza. Pode ocupar posições diversas nas brincadeiras, onde ora é mãe, ora é filha, alternando papéis. Ou, ainda, na idade adulta, exercendo a sua feminilidade, ocupando o lugar de mãe e/ou mulher sedutora. Enquanto isso, o homem não se funde nessa linhagem – sua condição básica é a de ser um”.

No belíssimo Benzinho, de Gustavo Pizzi,  o primogênito de Irene, mulher brasileira , mãe de quatro filhos, vai embora para a Alemanha. Foi  convidado por uma universidade  interessada no seu talento esportivo. O adolescente vibra enquanto a mãe se quebra, assustada com a partida súbita, fora de hora, do filho. A história de Benzinho é o processo que se desencadeia com a chegada deste convite que tanto abala a Irene  . O principal foco do filme é o  ponto de vista da mãe que tenta aceitar a situação. De sua alegria e de sua tristeza por ver o filho partir .  Irene é “Pietá” : numa das cenas mais lindas que já vi no cinema, a mãe embala seu filho numa bóia , aproveitando este momento de grande intimidade entre eles, já elaborando sua partida…

O amor materno , no filme Benzinho, se desdobra em suas mais variadas possibilidades  ( como diz a Adelia Prado, mulher é desdobrável) . A mãe suficiente boa, por sua saúde e sua capacidade de lidar com a perda e a separação, aparece na interpretação de Irene. Mãe suficientemente boa que se atrapalha, fica brava, dá chilique, chora, pira, respira, mas, enfim, ama. A gente fica apaixonada pela Irene. Embora abatida, apoia o seu filho e o desejo dele, reconhecendo sua alteridade, lidando de forma muito humana e amorosa com a separação.

O longa foi escolhido como o filme brasileiro que vai disputar uma vaga entre os quatro finalistas ao Prêmio Goya de Melhor Filme Ibero-americano, considerado o Oscar espanhol.

E, para refletir…uma música e um poema.

O gato andaluz*

(Rosa Alice Branco)

O meu filho caminha por aí. Já não sei

se é o Douro ou o Darro que lhe embala o sono.

Nem onde guardei as datas e o nome das ruas

ou se vou te encontrar logo à tardinha.

Deixei-me de saber e de pensar que sei.

Um gato arranha à minha porta a miar em andaluz.

Eu arranho a porta a dois dias daqui, duas horas

De avião. É proibido miar nos voos europeus.

Engulo a saliva do dia e assim se faz noite.

E não há gaivotas a gritar por mim. Por mim

estou eu à janela do avião. As malas

com que hei de dizer-te: cheguei. O teu abraço

como um rio qualquer onde corra água.

Esquecer o que ficou para trás e a língua que me fala.

Levar o copo à boca onde nasce a boca,

A fonte do quintal, a nascente do mar. O meu filho

Voa como se caminhasse descalço. Cruzamo-nos

no horizonte sobre a linha do rio onde deságua a luz.

E as palavras aquietam-se no seu nada.

( do livro Soletrar o dia, Ed escrituras, 2004)

o filme pode ser visto pelo Now ou Youtube nos links: https://www.nowonline.com.br/filme/benzinho/385245

Porque você não chora?

Assisti o longa-metragem brasiliense que concorre ao prêmio Kikito no Festival de Cinema de Gramado, 2020 : ” Porque você não chora? “(2020), de Cibele do Amaral. O filme trata, principalmente, da questão do suicídio e da formação do psicólogo.

A trama do filme se passa entre a personagem Bárbara, uma mulher explosiva, com Transtorno de Personalidade Borderline, e a estagiária de psicologia Jéssica, sua Acompanhante Terapêutica, uma mulher introspectiva que tenta driblar calada seu sentimento de solidão e abandono.

O fime relata a relação que se estabelece entre as personagens e os questionamentos que esta relação produz em cada uma delas.

A fragilidade e o sofrimento psíquico, diante das perdas e frustrações, são intrínsecos à nossa condição humana. Porém, se somos acolhidos e sustentados pelo ambiente na nossa dor, isso fará muita diferença no nosso viver criativo.

Winnicott, pediatra e psicanalista inglês, separa a noção de criação e de obras de arte. Criações são uma pintura, uma música, uma refeição preparada em casa, o cuidado com o jardim entre outras. Mas ele se refere à criação que é universal e faz parte do estar vivo. É o modo como o indivíduo aborda a realidade externa e como ele se torna protagonista de sua vida. Crescer como ser humano que se sente vivendo realmente a sua própria vida, com o caminhar autêntico.

No filme, as duas mulheres sofreram dificuldades no cuidado materno desde a mais tenra idade.Segundo Winnicott, o holding é uma das funções da “mãe suficientemente boa”- ela contém, aguenta , resiste e apoia o bebê frente às ansiedades que ele vive. São os cuidados essenciais para o desenvolvimento saudável da criança. Bárbara foi abandonada pela mãe e Jéssica apresenta uma mãe pouco responsiva, que tem a comunicação com palavras ou gestos entre elas totalmente truncada. Como diz Winnicott, ocorreu um fracasso no estabelecimento da capacidade pessoal para a vida criativa.

Bárbara tem um filho e luta para estar viva e manter seu vínculo com ele.

Jéssica, por outro lado, encontra-se no extremo da submissão, onde sente a vida como insatisfatória – não pode se enriquecer por meio das experiências que vivencia.

Assim, nada tem de relevante no viver de Jéssica. Suas forças vitais, sua criatividade e até a própria agressividade estão ocultas dela mesma, não dão sinais de existência- o que dificulta seu próprio sentimento de autencidade, de estar viva. Apenas, ela se sente impotente diante da realidade, porque seu mundo interno é povoado por sombras de medo e desamparo, vividas desde a mais tenra infância.

Chama a atenção no filme a pouca fala de Jéssica, seu desamparo frente à vida, sua solidão, sua falta de relações afetivas e o seu desconhecimento do outro. Ela cuida de uma irmã que estima, mas não sabe o que sente em relação a ela mesma e também em relação à irmã.

O relacionamento de Bárbara com Jéssica traz à tona o sofrimento psíquico que ela ignorava e, assim, mantinha calado. Agora, esses sentimentos permeiam seus sonhos e a assustam.

Jéssica, apesar de ter sido orientada por sua supervisora para fazer psicoterapia, decide não fazer e, assim, se deixa dominar por esse sofrimento reeditado e potencializado pelo seu relacionamento com Bárbara.

Olhando o filme por outro vértice, ele dá ênfase à importância para a formação do psicólogo, o estudo teórico, a supervisão clínica e a psicoterapia, que é um recurso não só para a elaboração das próprias limitações e potencialidades mas também para a internalização da teoria e da prática clínica.

É um bom filme que trata do sentimento de não pertencimento, da solidão, do desamparo e da importância do olhar para que o indivíduo possa ter um viver criativo.

Corpo e Alma

Quando te falo, dói-me que respondas/ Ao que te digo e não ao meu amor.

Quando há amor a gente não conversa:

Ama-se, e fala-se para se sentir.

Fernando Pessoa

O filme húngaro Corpo e Alma, vencedor do prêmio Urso de Ouro em 2018, do diretor Ildiko Enyedi , possui grande riqueza em sua fotografia e reflexões a serem amplamente discutidas. Um dos contextos marcantes no filme é a dificuldade apresentada por um casal, Endre e Maria, para se relacionar na vida real.

Endre (Geza Morcsanyi) é um gerente de um frigorífico que mal fala com seus funcionários, evitando o contato, muitas vezes preferindo apenas observá-los pela janela de seu escritório. Marcado por desilusões amorosas passadas, passou a ter uma vida reclusa, limitando-se a ir do trabalho para casa e vice-versa. Em uma das cenas, Endre chega em casa ao fim do dia e faz sua refeição quase no escuro, de forma metódica e sem vida. Com dificuldades para comer devido uma paralisia no braço, desiste de comer quando seu prato cai no chão.

Maria (Alexandra Borbely), por sua vez, é funcionária da mesma empresa, inspetora de qualidade, levando as regras de seu trabalho muito a sério. Ela também não consegue interagir com ninguém, preferindo sempre almoçar sozinha no refeitório da empresa. Apresenta pouca ou quase nenhuma de consciência sobre seus sentimentos e o próprio corpo.

 Algumas cenas tenderiam a apresentar um tom irônico, não fosse a triste realidade da quase total incomunicabilidade de Endre e Maria. Logo no início do filme, Maria não consegue olhar nos olhos dos funcionários. Sua fala é marcada pela ausência de espontaneidade, como se estivesse lendo um script sem ser o sujeito da sua própria ação.

Outra cena que revela o medo de viver os fatos reais da vida é o jogo que a atriz faz com bonecos orientada pelo seu terapeuta, como se estivessem ensaiando uma forma de conversar com as pessoas.

O filme mostra não só a inabilidade de comunicação, mas a aridez nas relações entre os personagens centrais do filme. O encontro só e possível durante os sonhos que ambos têm em comum. Assim, é abordada a dualidade entre o dormir e o acordar, o sonho e a realidade, para mostrar as dificuldades afetivas, os medos e as angústias de não ser encontrado no jogo do amor da vida real.

Em algumas passagens do filme é revelada a vida solitária dos personagens, nas atividades cotidianas : como estender as roupas no varal, jantar após o trabalho, escovar os dentes, ir ao supermercado… Tudo é feito de forma mecânica, quase como se fossem robôs, sem a presença do gesto espontâneo, do estar presente , do estar integrado no tempo e no próprio corpo. Percebemos a dificuldade de integração sensorial em Maria, sua sensibilidade extrema ao ambiente, que a encerra num fechamento aos estímulos externos e nas condutas ritualizadas. Em Endre, no braço amortecido, a imagem da desistência em estender os galhos da sua árvore da vida para abraçar o outro. Nos sonhos de ambos, tudo está congelado.

 Os personagens não se sentem confiantes para viver um relacionamento e é exatamente a falta da confiabilidade no ambiente, ou seja, a falha da previsibilidade das experiências passadas iniciais que proporcionam ao casal o medo e o sentimento de não serem capazes de se relacionar com o mundo . Assim, tudo precisa ser meticulosamente controlado e evitado.

De acordo com a perspectiva winnicottiana, todos nascemos com um potencial para a integração, mas esta conquista só será alcançada a partir da interação com o ambiente suficientemente bom que possibilitará ao indivíduo o reconhecimento do outro, o convívio social e a vivência da espontaneidade nas relações. Assim, para Winnicott, o ambiente tem papel fundamental para a construção do EU-Sou e as relações interpessoais futuras .

Se o ambiente falha em proporcionar a integração do Eu em estágios iniciais da vida e prover a confiança no mundo, o individuo não alcança a capacidade de acreditar nas relações. O mundo se torna irreal e uma ameaça, fazendo com que o indivíduo evite as relações ou tente controlá-las perdendo sua espontaneidade.

Endre e Maria acabam por se aproximar de uma maneira inusitada. Descobrem que estão tendo o mesmo sonho conjunto: são dois cervos, um macho e uma fêmea, vivendo na floresta… então começam a se conhecer e se reconhecer com as mesmas feridas emocionais.

Durante o sonho ambos sonham com cervos andando lado a lado em uma natureza silenciosa coberta por neve por todos os lados. Neste momento, os cervos se olham como se houvesse uma comunicação no tempo e no espaço – o que para eles na vida real parece ser muito difícil. A comunicação dos alces revela uma conexão com os olhares, o compasso do tempo, o caminhar junto lado a lado.

 Maria o convida para falar no celular, mas ele tem medo de se envolver. Endre, a princípio, leva-a para jantar em seu restaurante preferido. Em todas as cenas é possível notar um descompasso com o tempo. O restaurante está vazio, embora há tempos atrás fosse lotado, nos fazendo pensar que a vida presente não faz relação com o seu passado. E, desta forma, o filme vai se desenvolvendo : na vida real inexiste a comunicação presente no sonho.

 Corpo e Alma é um filme marcado por cenas fortes do abatedouro de animais, de uma tentativa de suicídio, da natureza no inverno – mas acima de tudo fala sobre a solidão, a incomunicabilidade. O amor nasce entre Endre e Maria a partir da comunicação profunda entre os dois inconscientes.

A possibilidade deste tipo de comunicação é tão mais comovente quanto maior for o fechamento que possamos encontrar em nossos pacientes. Aqueles com traços autísticos ou esquizóides, como Maria e Endre, estão congelados : na espera de um olhar, de uma escuta, da possibilidade de uma tradução. De alguém que possa sonhar por eles, com eles.

Controle

O encontro está marcado, data e horário agendado

Escolho minha melhor roupa:

 aquele vestido florido de seda

Tomo banho vagarosamente,

acariciando meu corpo com óleos de rosas

sinto o toque aveludado de minha pele

Começo a me vestir

Olho para o relógio

Confiro o endereço e me certifico do caminho

Ouço uma música enquanto me apronto

Sento em frente ao espelho e me dou conta de minhas rugas

Tento disfarça-las com um pouco de pó

Estou ansiosa com o encontro

Tento cantarolar

Mas me pego a olhar no relógio

O amante não é desconhecido

Tao pouco se sabe da sua origem

Um pedaço de mim esta em alerta

Outro deseja deixar-se confiar

Mas é preciso ir ao encontro

Romper o pensamento

Afrouxar o sentimento

Despir-se de algo entranhado na alma

Ao chegar percebo minha respiração ofegante

Meu corpo todo começa a formigar

Sinto meu coração acelerado

Me gelo dos pés a cabeça

Diante do meu amante

Tenho medo

Medo de perder o controle

Enlouqueço

E nessa loucura te prendo no meu abraço

Sobre nossos corpos rolam beijos até perder a calma

Nossas almas se entregam

Já não há mais pressa.

( por Viviane Panegassi Dorta Salomone)

o pai no pós parto

A elaboração psíquica do processo gravídico puerperal e do fenômeno da parentalidade ocorre em homens e mulheres e o processo ocorrido com o pai tem sido menos documentado. A paternidade é um momento de crise para o homem, que, quando adoece, tende a apresentar mais sintomas externalizantes e ter sua depressão não reconhecida pelos profissionais de saúde.

Que jogo é esse?

“Ao pensar sobre a possibilidade do casamento cada um deveria se fazer a seguinte pergunta: “Você crê que seria capaz de conversar com prazer com esta pessoa até a sua velhice?”. Tudo o mais no casamento é transitório, mas as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas sobre a arte de conversar.” Rubem Braga

Está difícil essa quarentena. Para quem está em casa, para quem está doente, para os idosos com medo, para as crianças sem escola. Para quem não está doente, para os que se alienam numa casa na praia da Baleia com três babás- sim, alienar-se traz um custo também. O mundo não vai parar de bater na nossa porta mesmo que ela não seja ela um barracão de zinco sem janela e sem trinco. Uma gaiola de ouro ainda é gaiola, e todo ensimesmamento cobra um preço, empobrece a alma, endurece o coração. Os otimistas esperam e os desesperados tem seus temores confirmados; para eles o mundo não será como antes, agora o medo tem nome .

Mas este recado aqui vai para os casais. Àqueles que estão se fazendo companhia neste momento particular, fora do combinado, não estando de férias, nem em recesso, não sabendo quando vai terminar. Aos que se encontram sob a luz fria da solidão à dois.

Gostaríamos de dizer algumas coisas. O amor é coisa difícil. Amor começa tarde e felicidade não é obrigação. E, como dizia o meu dentista Carlão lá de Guaxupé, casamento é coisa de profissional, não é para amador, não. Para Winnicott, ter concernimento, cuidar de um outro, reconhecer mesmo o outro, é processo de amadurecimento e nunca termina de acontecer na nossa vida. A vida toda, nos relacionamos com o outro e com a idéia que fazemos dele, negamos e aceitamos a sua alteridade, focando e desfocando a sua imagem conforme a nossa cegueira particular. É possível enxergar o outro, ou mesmo a nós mesmos? Quanto dói perder a ilusão… pode-se viver sem ilusões?

Talvez essas perguntas não tenham mesmo resposta ou morem na filosofia. Amor rima com dor – diz o poeta. Mas sempre podemos conversar. A arte de conversar, que pode ser aprendida, que a psicanálise preza, é metaforizada por Rubem Braga como um jogo de frescobol. Rubem Braga, capixaba, grande cronista, sensível artista. Vejamos o que ele diz:

“Depois de muito meditar sobre o assunto concluí que os casamentos são de dois tipos: há os casamentos do tipo tênis e há os casamentos do tipo frescobol. Os casamentos do tipo tênis são uma fonte de raiva e ressentimentos e terminam sempre mal. Os casamentos do tipo frescobol são uma fonte de alegria e têm a chance de ter vida longa. Explico-me. Para começar, uma afirmação de Nietzsche, com a qual concordo inteiramente. Dizia ele:

Xerazade sabia disso. Sabia que os casamentos baseados nos prazeres da cama são sempre decapitados pela manhã, terminam em separação, pois os prazeres do sexo se esgotam rapidamente, terminam na morte, como no filme O império dos sentidos. Por isso, quando o sexo já estava morto na cama, e o amor não mais se podia dizer através dele, ela o ressuscitava pela magia da palavra: começava uma longa conversa, conversa sem fim, que deveria durar mil e uma noites. O sultão se calava e escutava as suas palavras como se fossem música. A música dos sons ou da palavra – é a sexualidade sob a forma da eternidade: é o amor que ressuscita sempre, depois de morrer. Há os carinhos que se fazem com o corpo e há os carinhos que se fazem com as palavras. E contrariamente ao que pensam os amantes inexperientes, fazer carinho com as palavras não é ficar repetindo o tempo todo: “Eu te amo, eu te amo…”. Barthes advertia: “Passada a primeira confissão, ‘eu te amo’ não quer dizer mais nada”. É na conversa que o nosso verdadeiro corpo se mostra, não em sua nudez anatômica, mas em sua nudez poética. Recordo a sabedoria de Adélia Prado: “Erótica é a alma”.

O tênis é um jogo feroz. O seu objetivo é derrotar o adversário. E a sua derrota se revela no seu erro: o outro foi incapaz de devolver a bola. Joga-se tênis para fazer o outro errar. O bom jogador é aquele que tem a exata noção do ponto fraco do seu adversário, e é justamente para aí que ele vai dirigir a sua cortada – palavra muito sugestiva, que indica o seu objetivo sádico, que é o de cortar, interromper, derrotar. O prazer do tênis se encontra, portanto, justamente no momento em que o jogo não pode mais continuar porque o adversário foi colocado fora de jogo. Termina sempre com a alegria de um e a tristeza de outro. O frescobol se parece muito com o tênis: dois jogadores, duas raquetes e uma bola. Só que, para o jogo ser bom, é preciso que nenhum dos dois perca. Se a bola veio meio torta, a gente sabe que não foi de propósito e faz o maior esforço do mundo para devolvê-la gostosa, no lugar certo, para que o outro possa pegá-la. Não existe adversário porque não há ninguém a ser derrotado. Aqui ou os dois ganham ou ninguém ganha. E ninguém fica feliz quando o outro erra – pois o que se deseja é que ninguém erre. O erro de um, no frescobol, é como ejaculação precoce: um acidente lamentável que não deveria ter acontecido, pois o gostoso mesmo é aquele ir e vir, ir e vir, ir e vir… E o que errou pede desculpas, e o que provocou o erro se sente culpado. Mas não tem importância: começa-se de novo este delicioso jogo em que ninguém marca pontos…

A bola: são as nossas fantasias, irrealidades, sonhos sob a forma de palavras. Conversar é ficar batendo sonho pra lá, sonho pra cá…”

Esta metáfora do jogo de frescobol é útil para pensar também a psicanálise, na sua vertente intersubjetiva. Muita gente boa na psicanálise vem falando sobre este frescobol que acontece numa sessão, a possibilidade de brincar de verdade com os sentidos que envolvem as palavras que dizemos. Reconhecer que entre dois existe sempre um terceiro : o entre-dois, aquele que criamos juntos, na relação. Somos nós e os nós que se formam nesse laço que tecemos a dois.

A experiência do frescobol, numa análise ou numa conversa boa, é proveitosa e inesquecível. Pode ser rara no casamento, que (penso diferente do Rubem Braga) tende a ter seus momentos de frescobol entremeados entre as ferozes cortadas do tênis jogado a dois, em diferentes medidas conforme o momento e a constituição de cada casal. Criar e destruir o outro faz parte da experiência.

Tênis é assim: recebe-se o sonho do outro para destruí-lo, arrebentá-lo, como bolha de sabão… O que se busca é ter razão e o que se ganha é o distanciamento. Aqui, quem ganha sempre perde.

Já no frescobol é diferente: o sonho do outro é um brinquedo que deve ser preservado, pois se sabe que, se é sonho, é coisa delicada, do coração. O bom ouvinte é aquele que, ao falar, abre espaços para que as bolhas de sabão do outro voem livres. Bola vai, bola vem – cresce o amor… Ninguém ganha para que os dois ganhem. E se deseja então que o outro viva sempre, eternamente, para que o jogo nunca tenha fim…

Parece que na quarentena precisamos mais do que alcool gel e máscaras, precisamos do cuidado com as nossas relações, e jogar frescobol com o sol na cara, na areia quente. Paciência. Tolerância. Se a bola vier meio torta, pense um segundo: que jogo é esse?

NATAL: O NASCIMENTO DO SALVA-DOR

 

Minha senhora-dona, um menino nasceu. 

O mundo tornou a começar.”

Guimarães Rosa

 

O Natal assume o papel de protagonista neste momento do ano. Independente do que ele signifique na realidade externa: festas pagãs cristianizadas, um evento incentivador de consumo, um feriado, uma festa santa, ou qualquer outro significado que se ele possa ter, o Natal tem em si um símbolo: o nascimento do salvador.

A comemoração do Natal, no mundo externo, pressupõe uma data festiva e repleta de alegrias: montar a árvore de Natal, acender as luzinhas dos pisca-piscas, montar o presépio, enfeitar as portas com guirlandas, colocar os presentes sob a árvore, decidir quem fará o papel de Papai Noel, a ceia – geralmente repleta de guloseimas maravilhosas –, reunir a família e tantas outras coisas alegres. Parece que o mundo fica colorido e iluminado.

E como se dá a comemoração do Natal, na parte do nosso mundo

interno, que é sem cor e escura? Naquela parte tão cheia de dor? Dor pelo que não se tem ou não se teve, dor de quem se foi e não voltará mais, dor do vazio impreenchível, dor de viver e dor de saber do morrer. Enfim o que fazemos com tanta dor? Penso que podemos tentar recorrer ao significado simbólico do Natal: o nascimento do SALVA-DOR.

Acredito que o Natal pode então transformar-se em um evento interno CONFORTA-dor, DILUI-dor, DISSIPA-dor, ou seja, ao

encontrarmo-nos com o nosso SALVA-dor interno, que ele possa nos salvar da dor, possa nos confortar da dor, possa dissipar nossa dor.

Acredito ainda que o Natal pode também transformar-se em um evento interno RENOVA-dor, que renovaria nossas forças e faria nascer um LIMITA-dor, que colocaria um limite dentro de nós que nos ajudasse a lidar com as dores inevitáveis da vida. Amenizadas tantas dores podemos então nos voltar para uma Natal SONHA-dor, que nos presenteie com um GERA-dor e CRIA-dor de ESPERANÇA.

Por fim desejo a todos um Natal ILUMINA-dor que nos tire das trevas de nós mesmos e nos leve para uma vida (interna e externa) ILUMINADA.

Por Katia Piroli.   

 

As Aventuras do Avião Vermelho: Um Sonho de Potência e Reparação

Foto da copa do livro  de Erico Verissimo editada pela Companhia das letrinhas- Ilustrações de Eva Furnari

Artigo publicado e apresentado no II Colóquio de Psicanálise com Crianças  realizado no instituto Sedes Sapientiae em  10 e 11 outubro de 2014
Onde está o pai? Desafios da atualidade na clínica com Crianças
As Aventuras do Avião Vermelho: Um Sonho de Potência e Reparação 
Por Arianne Monteiro Melo Angelelli

Resumo – Por meio de uma análise do texto de Erico Veríssimo, mergulhamos nas fantasias inconscientes de uma criança cujo comportamento é agitado e desafiador. O pai deste menino o presenteia com um livro na tentativa de auxilia-lo em suas dificuldades, e através da vivência de um sonho com os elementos da história, a persecutoriedade e voracidade desta criança encontram um canal para a simbolização. A hiperatividade nas crianças é um sintoma pouco específico e somente a observação aprofundada pode auxiliar na compreensão das raízes do comportamento; sendo possível que a agitação configure defesa contra ansiedades depressivas decorrentes de dificuldades iniciais da vida. O pai, mais do que aquele que introduz a “lei” e insere a criança na triangulação edípica, também pode ser aquele que fornece o holding necessário para o desenvolvimento. Palavras-chave: hiperatividade, voracidade, holding, pai

Como dizia Freud, “é muito difícil formar uma opinião sobre se, e em que grau, os homens de épocas anteriores se sentiram mais felizes»(1), e isso é verdadeiro quando pensamos sobre as crianças de hoje. Fala-se muito sobre o declínio do poder paterno (2), e o afrouxamento nos laços humanos, nestes nossos tempos líquidos (3) : a família em crise. Mas quando recebemos um certo tipo de crianças, aquelas agitadas, hiperativas, sem limites, as dicotomias que separam o paterno e materno, a mente e o cérebro, não parecem trazer ajuda. O que está mesmo acontecendo com as crianças da pós-modernidade? Estão sem Pai, são porta vozes de doença social e familiar, da falta de limites generalizada, do furo do pacto edípico (4)? Ou estão sem Mãe, na medida em que seu comportamento disfuncional expressa deprivações, perdas precoces? Seriam estas crianças: neurologicamente deficitárias, incapazes da atenção sem ajuda de medicamentos ou ansiosas e deprimidas, encontrando na agitação equivalentes maníacos de defesa? Na aparente desorganização familiar atual, em que antigos papéis se intercambiam, há muita instabilidade, mas a chance de trazer o pai para mais perto, com suas valências femininas e masculinas, pode ser um dos ganhos dos novos tempos. A proposta deste trabalho é uma leitura reflexiva sobre um conto de Érico Veríssimo, “ As Aventuras do Avião Vermelho”(5). Uma criança com problemas de comportamento ganha do pai um livro e um brinquedo que a ajudam a elaborar uma rica fantasia onde ansiedades são elaboradas. O conto pode ser dividido em três partes. Na primeira, o pai interage com o filho e apresenta a ele os objetos de que fará uso na sua fantasia, ou sonho; um livro de histórias, um avião de brinquedo e uma lupa de diminuir, usada para que o menino possa encolher, entrar dentro do avião e partir em viagem. Na segunda parte, ocorre a aventura: o menino e dois companheiros, voando no avião de brinquedo, pousam na lua feita de gelo, e a seguir iniciam uma série de viagens, perseguições e fugas: permeadas pela ameaça constante de serem devorados: pela cobra, pelo porco e pelos canibais que encontram pelo caminho. Na terceira parte, dois acidentes: o avião cai no mar e logo depois cai de novo por causa de uma ventania, sofrendo um tombo “horrível” (o nascimento?) quando passa pela chaminé e desperta no escritório do pai, onde precisa crescer novamente. Vejamos o que nos diz a história: “ Chamava-se Fernando. Era um menino muito gordo. Gordo e travesso. Travesso e brigão. Um dia papai viu Fernando sentado num canto da varanda e perguntou: “ Meu filho, por que é que tu és tão travesso, brigão, malcriado? “ – Porque sou valente!” – rosnou como um leão que está começando a ficar zangado.” Compreendendo quanto de tormenta e medo existe na valentia de Fernando, o pai escolhe o livro certo, a história do “Capitão Tormenta” , e presenteia o menino, expressando seu desejo de que haja uma mudança no filho. O herói, com quem Fernando se identifica imediatamente, é aviador e viaja pelo mundo enfrentando todo o tipo de perigos. Então o menino pede ao pai também um avião, e ganha o aviãozinho de brinquedo. Ao trazer para o filho a escuta, a compreensão, livro e brinquedo, o pai exerce uma função dupla. Ele é aquele que traz a palavra, o limite. Mas também fornece holding e apresenta ao menino o objeto que será de uso transicional, senão vejamos: Fernando, com o avião, “ foi para o quarto e começou a brincar. brincou muito tempo”. O pai também nomeia a “Tormenta” que é o filho: tormenta em casa, a fazer estripulias, tormenta que agita o ambiente, como uma tempestade, e mais além, criança atormentada, amedrontada, que se diz valente (6). E a interação entre pai e filho continua. Fernando conta ao pai que quer viajar como o capitão Tormenta. “– Papai – disse Fernandinho com voz tremida eu também tenho vontade de viajar de avião. – Pois sim, meu querido, quando ficares grande poderás entrar num avião. – Não, papai, eu acho que só posso entrar num avião quando ficar pequeno.” Enquanto o pai entende que o desejo do filho é ser grande, para poder penetrar no avião (sexualidade adulta ?), Fernando pensa em como ficar pequeno para pode entrar no avião de brinquedo , e ficar pequeno de novo é regredir, para retomar o desenvolvimento. Senão vejamos: “O pai … era engenheiro. tinha um escritório cheio de máquinas, réguas, compassos… – Como é o nome daquilo, pai? – Aquilo se chama lente. – Para que serve? – Para aumentar as coisas. – E aquela? – Aquela, ao invés de aumentar as coisas, diminui. “quando a gente bota esse vidro em cima duma coisa, essa coisa fica pequena, não fica? pois então vou botar esse vidro em cima de mim e vou ficando pequeno, pequeno, até poder entrar no avião.” Como a Alice de Lewis Carroll, Fernando ora é grande, ora pequeno, menino medroso que aterroriza os demais, mas a descoberta da lente do pai permite a formulação de uma ideia de relatividade, além da possibilidade, da oportunidade de regredir (colocar-se sob a lente de diminuir). Ele observa as coisas ficarem grandes ou pequenas sob as lentes, entende que não é adulto ainda. Mas para o menino, importa menos ser grande e ter um pênis como o do pai, já que o que ele precisa é voltar a ser o bebê que entra, ou é contido, pelo pai avião, para elaborar uma fantasia de cura. (7). Na segunda parte da história, já Capitão Tormenta, depois de ser reduzido ao tamanho do seu avião, Fernando viaja à Lua, e “lá tudo era de gelo”. O aspecto inóspito da lua é negado. O herói usa uma “casacão de pelo” e não sente o frio. (Uma referência à obesidade?). Descobre que na lua tudo acontece “ao contrário” mas não sente perplexidade, aproveita para tomar sorvete de graça, comendo estrelas ainda vivas: “O empregado tirou sorvetes de uma lata; depois espichou o braço, furou o teto da casa e apanhou lá no alto três estrelinhas, que soltaram gritos de susto.” Temos aí a infeliz combinação da mãe deprimida (Lua fria) com a criança voraz, que encontramos na clínica com frequência . Ainda incapaz de concernimento, o menino e o avião quase atropelam uma estrela ao partirem “A estrela, muito delicada, pediu desculpas…o avião voltou a cabeça para ela e botou a língua para fora. Que mal-educado!” Começa agora a segunda parte da viagem, passando por uma cidade esquisita, pela China e pela África, pelo encontro com um zepelim e o mergulho no mar. Nessa jornada, repetidas vezes a fantasia de devorar e ser devorado se corporifica: “De repente viram um monstro. Era uma cobra enorme. Preta e amarela. A cobra abriu a boca…e segurou com os dentes o rabo do aparelho, que soltou um grito: – Ai! vou morrer envenenado!” Ou ainda: “de repente apareceu um porco gordo, abriu a boca e os engoliu.” E na África: “Desceram na África, mas foram muito sem sorte. Caíram bem no meio de uma aldeia de selvagens. Ficaram prisioneiros dentro de um porongo. O porongo era muito escuro. Os exploradores compreenderam que iam ser queimados.” Sempre salvos pelo avião vermelho, o menino e seus amigos são quase devorados por três vezes. Por fim passam a ser os devoradores: encontram um zepelim, feito de marmelada, chocolate… e começam a comê-lo. Então: “o comandante do dirigível estava naquele momento examinando a barriga do seu navio aéreo, que se queixava de dores muito fortes. Viu os aventureiros: – Piratas” Comeram um pedaço do meu zepelim!” Outra perseguição acontece, ocasionando a queda do avião no mar , quando se transforma num submarino. O surgimento de um clima depressivo introduz a passagem para a terceira parte do conto. “a água estava fria. ficaram muito assustados.” “e agora, o que vamos comer?” Mesmo depois da tempestade, de novo no céu, não demora muito para o avião cair outra vez: “e o avião vermelho foi arrastado para a terra.” “o tombo foi horrível”. E a catastrofe continua: caem dentro de uma chaminé, e dentro dela, se machucam: “o avião ficou com um olho preto. O ursinho perdeu muitos pelos…Fernandinho ficou com um galo na cabeça” Os machucados dos amigos na passagem pela chaminé podem ser interpretadas como reminiscências do trauma do nascimento, mas também como a falência das defesas maníacas, simbolizada pela queda, o frio, os machucados, o medo. Seria um momento depressivo que ocorre após o ataque sádico ao corpo da mãe, quando comem o zepelim? O medo do colapso já vivido? Pois aqui elementos semelhantes em sua forma e função, quais sejam: zepelim e porco, em cujas “barrigas” Fernando se aloja, primeiro engolido, e depois ativo devorador, além de representarem fantasias primitivas relativas ao engravidamento e ao nascer, correlacionam-se com a figura da Lua inicial, todas representativas do feminino e carregadas de ambivalência. Enfim, a figura do pai reaparece quando despertam contentes em seu escritório (mesmo que machucados pelo tombo): “– Agora precisamos crescer de novo!” O desfecho da aventura é a retomada da realidade, incluindo o sermão do pai que encontra o avião “espatifado” na lareira. Mas a criança, agora apaziguada, já de posse de novos recursos, não mais atua a angústia no comportamento; “ Fernandinho compreendeu tudo. Papai não sabia da aventura… quando a gente é pequeno, do tamanho de um dedo mindinho, cada dia dos homens vale cinco dos nossos. Foi uma aventura muito engraçada…Fernadinho até hoje fala nela” Neste conto, a profusão de elementos : lua fria, agua fria, perseguidores devoradores e a dinâmica maníaca da criança podem nos fazer supor alguma falha inicial dificultando a integração das ansiedades primitivas, de modo que apesar de ter havido desenvolvimento, permaneceu uma tendência à agitação, à dissociação , à voracidade e ao comportamento disruptivo, desafiador, expressão última da angústia e temor sentidos. A natureza maníaca da defesa esconde ansiedades depressivas: “arrastado para a terra. o tombo foi horrível”. Aqui vale o comentário de Winnicott “ as fantasias onipotentes não são tanto a realidade interna propriamente dita quanto uma defesa…nos tão frequentes livros de aventuras .. o autor…não tem consciência das ansiedades depressivas das quais fugiu. Sua vida foi cheia de incidentes e aventuras… baseado… na negação da sua realidade interna pessoal ” …(10) Podemos pensar o Capitão Tormenta como um menino a- atormentado pelo próprio sadismo oral projetado nos objetos (8). Gordo, travesso, e brigão, defende-se como pode das ansiedades depressivas e da mãe- morta, Lua “gelada”, que não acolhe(u). Quando o pai oferece livro (com as palavras certas), brinquedo e instrumentos, estes funcionam como um objeto criado-encontrado (9), seio que nutre e falo gerador de potência, elementos que o menino utiliza na construção de uma fantasia de cura (7), que é o re-nascimento. O pai da história apresenta vivacidade, ao lidar com o menino diretamente em suas questões edípicas, sob a lógica fálica, e tem boa capacidade feminina, ao se permitir penetrar por este filho (“papai, eu acho que só posso entrar num avião quando ficar pequeno”). É o holding paterno que propicia a Fernando a possibilidade de relaxar e brincar.
referências bibliográficas
1- Freud, Sigmund. O mal-estar na civilização [1929/1930]. In: Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 2006, v. XXI
2- 2-Neder Bacha, Marcia. Déspotas mirins: o poder nas novas famílias. São Paulo: Zagodoni Editora, 2012
3- 3-Bauman, Zigmunt. Amor liquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.
4- 4-Pellegrino, Hélio. Pacto Edípico e Pacto Social (Da Gramática do Desejo à semvergonhice Brasílica). In: Folhetim da Folha de São .Paulo, setembro, 1983.
5- Veríssimo, Erico. As aventuras do Aviao Vermelho. Sao Paulo: Companhia das letrinhas, 2003.
6- Di Loreto , O . Argumentando a favor de posições tardias. In Posições tardias. Contribuições ao estudo do segundo ano de vida. São Paulo. Casa do psicólogo,2007.
7- 7-Aberastury, A. Psicanálise da criança. Teoria e técnica. 8. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992
8- 8-Klein, M (1996) Estágios iniciais do conflito edipiano. In: Amor, culpa e reparacão e outros trabalhos- 1921-1925. Trad. A. Cardoso Rio de janeiro: Imago
9- 9-Winnicott, D. W. (1975) Objetos transicionais e fenômenos transicionais (1951) In Da Pediatria à Psicanalise :obras escolhidas. Trad. Davi Bogomeletz. Rio de Janeiro: Imago, 2000.
10- 10- Winnicott, D.W ( 1975) A defesa maníaca ( 1935) in Da pediatria á psicanalise: obras escolhidas. Trad. Davi Bogomeletz. Rio de Janeiro: Imago, 2000.

A obra de Erico Verissimo foi transformada em animação em 2104 Frederico Pinto e José Maia

http://www.sedes.org.br/Departamentos/Psicanalise_crianca/coloquio2014/images/Anais_IIIColoquio_2014.pdf

As treze Razoes de Merli

As treze razões de Merli

AS TREZE RAZÕES DE MERLI
Arianne Angelelli*

Nas últimas semanas falou-se muito de suicídio adolescente. Um seriado da Netflix, “13 reasons why” ou “os 13 porquês” estreou na provedora causando grande reação da mídia. Ao mesmo tempo, um suposto jogo online chamado Baleia Azul, foi noticiado tratando do mesmo tema. Nos grupos de WhatsApp, pais aconselhando uns aos outros a impedir seus filhos de assistir ao seriado. Uma reportagem sobre o jogo da Baleia Azul no YouTube, com quase 500.000 visualizações… A TV está cheia de morte. Fascina. O apocalíptico “Walking Dead”, série sobre zumbis está entre as três séries mais vistas em 2016. E tem para todos os gostos – em “Breaking Bad” um professor de química se transforma em traficante de metanfetamina e morre de forma apoteótica, com uma chacina. Afinal, do que estamos falando? Em “13 reasons why ”, Hannah, uma bela jovem americana, vítima de bullying, estuprada, se suicida e narra sua história postumamente. Está difícil viver?

Ou ver? Pois, no seriado, a jovem Hannah, como o palíndromo no seu nome, parece correr em círculos sem saída, entrando num estado de desesperança que somente a morte pode remediar. Na medida em que ouvimos as gravações que fez explicando as razões do próprio suicídio (uma sequência de abusos que inicia com a divulgação de fotos suas na internet), o ato extremo passa a comunicar o que não pode ser comunicado em vida. Não parece haver a possibilidade de encontrar no mundo dos adultos ou em algum outro canto a consistência, a segurança, a proteção, durante a vida. Do lado de cá da tela, uma verdadeira paixão pelo Real nos escraviza, e assistimos passivamente a cena em que ela corta seus pulsos (didática, da maneira mais certeira para se morrer).

Todos os dias uma profusão de imagens, sem filtro, invade nosso celular e telas, num excesso que nos faz cegar. (Será preciso diminuir a sensibilidade para lidar com tantas informações simultâneas, a morte exposta sem pudor, a violência crua?). São excessos. A sociedade do espetáculo precisa do sangue e do exagero, e o “sou visto, logo existo” substitui o velho axioma de Descartes. Pensamento simbólico é um processo lento demais para este nosso tempo rápido, líquido. Um snap chat dura alguns segundos, a imagem se esvai (conseguiu fazer um print? Não?) e são tantas as mensagens que apreendemos de forma quase fotográfica, sem uma pausa para a reflexão, que pensar se torna um luxo raro, e o “déficit de atenção” quase uma defesa.

Já em “Merli”, que conta a história do professor de filosofia catalão, o pensar ganha novo status para o grupo de adolescentes a quem ensina. Trata-se de um seriado, também disponível na provedora Netflix, em que cada episódio se intitula com o nome de alguma corrente da filosofia. O tema costura as reflexões em aula com os dramas cotidianos dos alunos, que estão lidando com as primeiras experiências sexuais, os embates familiares, o luto. A amorosa Monica de Vilamore, que vem de outra escola, tem a privacidade devassada pela divulgação na internet de um vídeo íntimo. Neste ponto sua história se assemelha com a de Hannah (em um episódio de “13 reasons“) – ambas alunas novas, sofrem um ataque virtual. Mas aqui, Merli, atento, vem em auxílio da moça, e contra-ataca fazendo os rapazes refletirem sobre a própria responsabilidade na propagação deste vídeo. O filósofo do dia é Guy Debord. No aqui-agora da sala de aula, refletem sobre a exposição que inadvertidamente fazem da colega, sobre a falta de ética da atitude, enquanto discutem as idéias do pensador que escreveu “A Sociedade do Espetáculo” na década de 60. Para ele, o “ser” se transmuta em “ter”, e, cada vez mais, em “parecer”. O grupo se dá conta do ataque feito à colega e a resgata, em atitude amorosa, de forma muito criativa.

Em “Três ensaios sobre juventude e violência” (1), Rose Gusrski pergunta: “será que a dimensão do espetáculo, ao instalar a saturação de imagens como paradigma do sentido, penetra no sujeito de modo a criar uma relação literal demais para o homem?”

Literal demais, sim, em “13 reasons”: a morte, o suicídio, a indiferença. O ato violento como única possibilidade de se fazer escutar. Se a protagonista Hannah foi vítima do mesmo assédio que Monica, ao ter fotos comprometedoras divulgadas de forma maliciosa, só no caso desta última a intervenção pensante do mestre reverte o destino da jovem. Mesmo crime, dois destinos; destino de morte, destino de vida.

Merli” e “13 reasons ” estão disponíveis, ao mesmo tempo, na mesma provedora, Netflix. Todos nos assustamos com a impulsividade da adolescência, com a rapidez do mundo virtual, e o primado do Real que parece ter vindo para ficar… Mas, como nos diz Winnicott (2) “Onde houver o desafio do rapaz ou da moça em crescimento, que haja um adulto para aceitar o desafio.” Merli aceitou.

Referências

1) GURSKI, R. R. Três ensaios sobre juventude e violência. São Paulo: Escuta, 2012. 174p.

2) Winnicott, D. W. (1975). Morte e assassinato no processo do adolescente. In: O brincar & a realidade (pp. 194-203). Rio de Janeiro: Imago.

*Arianne Angelelli: Médica psiquiatra formada pela USP, residência em Psiquiatria Infantil, formação pelo IPPIA – Instituto de Psiquiatria da Infância e Adolescência, membro do departamento de saúde mental da sociedade paulista de pediatria.

Natividade

Latejar intervalado de orgasmo já em ferida.

Rotura. Espanto. Irreversível dor.

Um ventre inchado golfa a expectativa de si próprio.

Porém já fui pequena

Já fui também pequena

E me nasceram seios

E me cresceram pelos

E o sexo me floriu

No afago quente

Do primeiro sangue.

Um grito rouco. Um ventre rasgado de dentro.

Viscoso, um novo corpo

Tomba

E limita a eternidade…

Não tem olhos nem dentes, não tem nome,

Digere, vaga, suga,

É calvo, é mole, é outrem,

Só fúria sem contornos de crescer.

(Helder Macedo- Viagem de Inverno- 2000)

Tempos obscuros onde a maternidade não se acomoda mais dentro das expectativas da mulher moderna. O choque, o espanto, o horror, diante da dependência e da fragilidade. Mulher, o tempo se inscreve no seu corpo de modo muito marcado: a menarca, a gravidez, a menopausa. É o tempo marcando a mulher, limitada da eternidade, marcada. E no entanto! Como são fofinhos os bebês da propaganda do shampoo Johnsons!!! Como são lindos os papéis de parede azuis e lilases, os móbiles coloridos…

Por que então não estamos  inundadas de felicidade ao nos tornarmos mães?

Figura 1 Woman with shopping- Ron Mueck. 2013-detalhe

  Tenho trabalhado com estas mulheres envergonhadas, usando sertralina e palavras. São engenheiras, biólogas, são professoras, donas de casa

          são muito jovens, são mais velhas, tiveram gêmeos, tiveram parto prematuro, fizeram ovodoação, fizeram inseminação artificial, tiveram um filho planejado, tiveram um filho acidentalmente.

Quanta vergonha, não amar meu filho!!!”

Eu penso só no que vai ser da minha vida de agora em diante!”.  “Morei na Bélgica para fazer o meu pós-doc, não me apertava com nada, hoje tenho medo de dirigir, não consigo pegar o carro para ir a lugar nenhum, não consigo sair na rua com o bebê, acho que algo vai acontecer com ele”.

“Doutora, acho que tenho TOC. Tenho medo de o meu nenê ter frio, mas se o cubro, acho que vai ter calor, acordo toda hora para checar a temperatura do quarto, não consigo dormir pensando que ele não vai conseguir se descobrir nem se cobrir sozinho!… não sei o que faço, sei que é loucura; só que eu não durmo”.

Estranho! Como pode acontecer de não haver este reconhecimento, tão natural, biológico, tão programado! …Será???

Eu penso: sou capaz de fazer algo ruim com ela. Não quero ficar sozinha com ela. Quando a babá vai, antes do meu marido chegar, é a pior hora. Ela chora e eu não sei o que fazer, fico muito nervosa”.  

“Não deixo ela chorar. Tomo banho de porta aberta. Se ela chora, eu corro, pelada, molhada; sei que devia deixar ela chorar um pouquinho, não faz mal; mas eu não aguento.”

O estranho em mim. Meu filho, parte de mim, partiu exatamente de mim, do meu corpo, cresceu em mim, mas não é meu, não sou eu. Estranho e familiar. “Acho que não devia ter tido filho. Quis dar um neto para a minha mãe. Não achei que ia ser assim, não tive irmão. Quando tive o nenê comecei com essa cefaléia, fui internada no hospital, que vergonha, internar num  hospital onde todo mundo me conhece; aí que parei de amamentar, tomei muito decadron. Me fizeram um liquor e fiquei pior. Não acharam nada. Dor de cabeça não tem explicação e não passa com nada!!! Foi meu cardiologista que me deu  a fluoxetina, mas não adiantou, e eu parei. Está tudo tão horrível doutora”.

Em todos os relatos, a impotência. A perplexidade. Culpa. Vergonha… O estranho em mim. O estranho de mim. Quem sou eu, mulher, quem sou eu, mãe? As mães não vêm prontas, se constituem mães, assim como os bebês se constituem pessoas, inaugurando a família consigo. Como suportar a inexatidão deste processo: construído exatamente a partir de seus erros, tentativas, ajustes… Como controlar o que não tem controle? O que não tem governo, nem nunca terá, como canta o Chico. O que vem das entranhas, o que será que será? O que não tem juízo.

O que não faz sentido… Entre a depressão e o baby blues, mulheres numa contemporaneidade onde  bom senso e  instinto dão lugar aos manuais, à busca dos blogs, dos grupos de mães da internet, numa busca desesperada de referências: onde há tanta informação, não há informação nenhuma! Que sou eu? Mãe!????????? Mulher? “Eu dou peito livre demanda e lá em casa é cama compartilhada”.  “Tive parto em casa, foi maravilhoso, mas depois ele teve esta alergia: não posso comer: ovo, soja, leite, tomate, estou pensando em parar de amamentar”.

O que é ser mulher? Me diga menina, o que é feminina (agora é a Joyce quem canta)2. Ô mãe, me explica, me ensina…o que é feminina… E, principalmente: o que é ser mãe.

Ninguém fala a verdade tudo o que a gente passa no parto. Se eu soubesse que era assim, não queria. Porque ninguém fala a verdade para a gente! “

Porque o mistério nos horroriza. Em verdade, temos medo. Senhor, escutai meu estrondoso medo 3. Esta frase é no poema de Adelia Prado.É a Adelia Prado rezando.Rezando pedindo ajuda. Mãe no pos parto precisa de ajuda. É necessária uma tribo para cuidar de um bebê. E não uma mulher sozinha.

O filme Tully 1, do diretor Jason Reitman, nos traz a solidão de uma mulher que encontra na psicose um remendo para seu desamparo. Belíssimo, imperdível. Um retrato da maternidade. Que tão pouco se parece com os fantasiosos comerciais do shampoo Jonhson, do creminho para assaduras. A realidade da maternidade é assustadora e não perfeita; só na fantasia os bebês são tão bonzinhos e cheiram tãaao bem !!!.

Há três anos numa visita à pinacoteca, na exposição das esculturas hiper realistas de Ron Mueck, me deparei com uma obra de arte que muito me impactou. Woman with shopping, de 2013, que mostra uma mãe muito cansada, desarrumada, carregada de compras, que não olha para o seu bebê, que olha para ela, como uma interrogação. Depressão pós parto?

Estranho…O estranho em mim.

E chamo a Joyce de novo para arrematar essa conversa:

“Então me ilumina, me diz como é que termina?
– Termina na hora de recomeçar,

dobra uma esquina no mesmo lugar.

E esse mistério estará sempre lá
Feminina menina no mesmo lugar.”

Como  ajudar  tantas mães muito parecidas com esta: como oferecer uma ajuda ? Carregando para elas um pouco destas sacolas?

Winnicott, que foi pediatra toda a sua vida, dizia que bebê e mãe são uma coisa só; não existe “o bebê”; portanto, não se pode prover para os bebês um ambiente suficientemente bom, se a mãe não tem também um bom suporte.

Referencias

Figura – Woman with shopping- Ron Mueck. 2013

         2) Feminina– de Joyce  Moreno – uma inspiração!!!

  • 3)Do poema Impropérios, de Adelia Prado, do livro “O coração disparado”. Rio de Janeiro: Editora Record, 2013.