A mãe suficientemente má
“Esse problema…se torna gradativamente um problema óbvio, devido ao fato que a principal tarefa da mãe ( além de fornecer a oportunidade da ilusão) é a desilusão. Isso antecede a tarefa do desmame e também continua a ser uma das tarefas dos pais e educadores.”
Winnicott ( em “o brincar e a realidade”)
Pensando por aqui… uma pergunta às mães… você é uma mãe suficientemente má? O que Winnicott quer dizer quando diz que a principal tarefa da mãe, além de permitir ao bebê a ilusão de que ele cria o mundo, nos estágios iniciais, é justamente desiludi-lo em seguida?
Aqui faço uma brincadeira, porque pensando por este prisma a mãe suficientemente má… é boa. E a mãe boa-demais-da-conta: é má !!! Isso pode parecer um jogo bobo de palavras mas na dialética do processo de ilusão- desilusão a dança entre a mãe e o bebê muda de ritmo conforme ele pode acompanhar, cada vez mais veloz , cada vez mais capaz, as variações do mundo. A desilusão é parte do crescimento . A diferenciação entre o Si mesmo e o outro, tão dolorosa, mas tão vital para o convívio em sociedade, deriva do amor parental . Em algum momento você dirá para seu filho: Alto lá!!! Tem mais alguém aqui! E a criança cairá do seu pedestal. Ser uma mãe suficientemente má é deixar o bebê dormir sozinho, ter outros interesses, permitir que ele desmame, trazer e facilitar a entrada de outras pessoas na vida dele… e curtir aquele gostinho amargo de descobrir que ele já não precisa tanto de você, porque cresceu. Doce amargo gosto de permitir-se ser desnecessária.
Quando a mamãe sai de cena coisas boas podem acontecer.
O mundo em pequenas doses… assim o bebê vai sendo apresentado à vida até que seja capaz de reagir ao mundo, negociar com ele, deixar-se enlaçar pela realidade. Em um dado momento sabemo-nos separados e únicos. Não é fácil. Embora dentro de cada um de nós haja ainda uma criança que busca meios de controlar, negar ou modificar a realidade, a desilusão inicial que nos fez enxergar mamãe como uma pessoa inteira e fora da área de nosso controle onipotente nos tornou mais humanos.
” presumimos que a aceitação da realidade é uma tarefa que nunca é completada, pois nenhum ser humano está livre da tensão causada pela relação entre as realidades interna e externa.!”
Pois sim. Nascer é muito comprido?
Essa frase do poeta me inspira a pensar no contínuo processo de constituir um Si mesmo, dependente e solitário ao mesmo tempo, à medida que as desilusões da vida vão se acumulando como pedras no caminho. Com a imagem de um caminho pavimentado por essas pedras , podemos pensar a jornada da criança que teve a sorte de ter uma mãe imperfeita.
Outro dia numa live com os pais falávamos da diferença entre traumatizar a criança e frustrá-la. Há hoje em dia um certo medo de traumatizar o filho que deixa muito pai e mãe perdidos e confusos, esquecendo que a tarefa de desiludir é tão importante quanto a de gratificar a criança.
E o pulo do gato é conseguir, como na dança, pegar o ritmo, mudar de ritmo, conforme pode a criança suportar as frustrações . Quando se está na área da NECESSIDADE, quando se ainda é frágil para lidar com o mundo sem o anteparo materno, não podemos falar de frustração, e sim de privação. No início a adaptação da mãe ao bebê é quase total. Adivinha se ele tem frio, fome, cuida dele e o alimenta. Mas se tudo corre bem, o bebê cresce. A mãe ou o pai bons demais da conta subestimam a capacidade de seu filho de se firmar sobre as próprias pedras. Sobre as próprias pernas.
Se te parece que o amor é só bondade e ternura, solicitude e gratificação sem limites…isso não existe nem mais nos filmes da Disney! Toda mãe pode enjoar um pouco do seu bebê, desejar seu espaço, dizer não a ele e “dividi-lo” com as outras pessoas amorosas que os cercam; papai, vovôs, a escola…
E você? Considera-se uma mãe suficientemente má?
Sia – Courage To Change | Malévola (Tradução / Legendado) – YouTube
Em “Malévola” a fada das trevas acaba por se revelar não tão malvada assim… Uma história bonita para assistir e pensar.