A Transitoriedade

Estamos vivendo um momento de muitas perdas. De repente, parece que o mundo parou devido à pandemia. Recebemos recomendações para o isolamento social e afastamento físico para evitar a propagação do coronavírus, causador da Covid-19. O medo do contágio e a nossa vulnerabilidade frente ao adoecer e morrer nos faz entrar em contato com a nossa finitude. Estamos desamparados em um momento que não temos respostas, vacinas ou remédios que possam suavizar o nosso sofrimento.

Decidi reler o texto do Freud sobre a Transitoriedade (1916). O texto me pareceu convidativo porque Freud dialoga com dois amigos pessimistas.

Então vamos lá:

A Transitoriedade foi escrito em 1915, mas, foi publicado em 1916 , isto é, foi escrito um ano depois do início da Primeira Guerra Mundial (1914), que retirou do mundo o que ele tinha de mais belo : na natureza e na cultura.

Nesse momento, um verão maravilhoso estava acontecendo na Europa. Freud nos conta em seu texto sobre o passeio que faz com dois amigos e relata o diálogo que ocorre entre eles.

Ele inicia seu texto assim:

O amigo poeta, ao admirar a paisagem, lamenta o fato da brevidade da existência daquela beleza. Freud diverge do amigo poeta porque ele não acredita que a beleza da natureza e da arte podem se desfazer. Ele crê que estas coisas, de alguma forma, têm que subsistir à destrutividade e afirma: “o valor de transitoriedade é o valor de raridade no tempo”.

Freud também afirma que a imortalidade é um produto dos nossos desejos e não da realidade. A extinção do que é belo tem mais valor por ser uma raridade no tempo. Por isso, a transitoriedade não pode retirar a alegria que a beleza nos proporciona.

A beleza da natureza está no fato de que ela sempre volta quando é destruída pelo inverno e esse retorno pode ser considerado eterno em relação ao nosso tempo de vida. A beleza de uma obra de arte, se ela tiver significado para a nossa vida emocional, não precisa sobreviver a nós.

Freud afirma que o luto os impede de saborear o prazer que um momento carregado de beleza proporciona.

Seus amigos, diante da transitoriedade das coisas, vivem um luto antecipado- a mente recua instintivamente em face a sentimentos dolorosos.

O diálogo entre Freud e seus amigos pode ser observado por nós neste momento tão difícil que atravessamos.

Muitas pessoas vivem sem ter conhecimento sobre elas mesmas. Desconhecem seus desejos, frustrações ou satisfações e, quando o externo é retirado, sentem-se completamente desamparadas.

Nesses momentos, nos resta contar com o nosso mundo interno para nos fazer companhia e ampliar o conhecimento sobre nós mesmos . Assim podemos aumentar nossa chance de lidar melhor com os nossos acertos e fracassos na realidade em que vivemos.

Ultimamente, estamos enfrentando uma pandemia mundial, que nos obriga a ficar confinados onde os que podem, ficam em suas casas e lá permanecem como refugiados. Por isso, estamos vivendo um luto coletivo em relação às perdas que tivemos de convivência, proximidade e até a perda concreta de parentes e amigos.

Remetendo ao texto do Freud sobre A Transitoriedade, salvo devidas proporções, estamos vivendo o mesmo desamparo sentido pelos seus amigos ao entrar em contato com a brevidade da vida. Muitas pessoas, por incapacidade de vivenciar o luto, deixam de aproveitar este momento que pode favorecer muito uma viagem para o nosso mundo interno.

Freud, no texto, nos transmite a visão de que nesse momento necessitamos de um olhar para o futuro que só poderá ser feito através da natureza e da cultura.

Freud sustenta a idéia de que o fato da finitude da vida não pode retirar o encanto do que é belo.

E assim com essa mensagem ele termina: