CECILIA FOI MORAR NAS MEMÓRIAS

Cecilia fez sua passagem …

Após o impacto inicial de tal notícia me vi refazendo internamente uma trajetória que foi desde que a conheci até a última vez que nos falamos. Lembrei de quando nossas vidas se entrelaçaram.

Muito antes de conhecê-la já a conhecia. Duas amigas sempre me falavam do “Grupo da Cecília”. Do quanto ela era acolhedora, que o grupo era realizado na casa dela e que essa casa era linda. Contavam dos componentes, todos muito experientes e com grandes conhecimentos em Winnicott e psicanálise. Diziam o quanto aprendiam. Sempre que as ouvia contar suas experiências eu sentia um misto de vontade de participar e um certo receio de não me encaixar pois não sabia praticamente nada do autor, no fundo, no fundo, me sentia intimidada, o grupo era, na minha fantasia, muito grandioso. Por fim tomo coragem e peço que elas perguntem a Cecília se posso participar. Ela me aceitou. No primeiro dia, minhas amigas me acompanham. Quando chegamos percebo que a casa era muito mais bonita do que a da minha imaginação. Sou recebida, no hall de entrada pela Cecília. O primeiro impacto foi com a beleza dela, mais precisamente com os olhos. Azuis acinzentados? Cinza azulados? Azuis? Cinzas? Pouco importa, eram olhos incríveis na beleza física, e conforme fui me aproximando dela, foi percebendo olhos que viam a vida de forma incrível… 

Outra particularidade dela era a elegância e simplicidade, juntas e misturadas, na forma de se vestir, na forma de se expressar, no trato com seus funcionários, com todos nós.

Por várias vezes fui a primeira a chegar para o grupo e estes momentos, a sós com ela, serão inesquecíveis. Aproveitávamos para conversar sobre tudo, e, que conversas deliciosas. Ela gostava de me ouvir contar histórias de minha mãe, principalmente das “peripécias de minha mãe pescadora”. Ela ficava impressionada com a vitalidade dessa pescadora de quase 90 anos. E eu ficava impressionada com a vitalidade com que ela “entrava” nas histórias, no quanto se divertia, no quanto eu me divertia contando como minha mãe se divertia …  Era um divertimento só! Impossível não pensar em Winnicott e no quanto ele valorizava o brincar, o bom humor.

Brincava com ela, assim que chegava, dizendo que tinha chegado em um oásis e ela sempre respondia: Imagina, bondade sua. Estou aqui escrevendo sobre isso e me emocionando com essas lembranças. Sua casa foi um oásis para mim e creio que para todos do nosso grupo, era um momento de “respiro” em meio a uma vida sempre com muitos momentos sufocantes. Sempre tinha um café, bolachinhas caseiras, que alimentavam também nossa alma.

Na última conversa com ela lhe disse: a sua “casa oásis” jamais vai virar miragem dentro de mim. Agradeci a generosidade com que me acolheu, sem nem ao menos me conhecer, e o quanto isso era de um valor inestimável. Disse-lhe o quanto tinha aprendido com ela, não só sobre Winnicott, mas sobre a Vida, e, que ela era um dos meus modelos mais queridos. Sinto-me feliz por ter podido dizer tudo isso a ela numa conversa que foi nossa despedida.

Perguntaram a uma criança pequena que perdeu uma avó muito querida: para onde você acha que as pessoas vão depois que morrem?

Ela prontamente respondeu: para a memória, vão viver na memória das pessoas!

Cecília, nossa muito querida Cecília, foi viver nas memórias …