MORTE EM VENEZA

Revi o filme “Morte em Veneza” (1971), que foi baseado em uma novela dramática escrita pelo alemão Thomas Mann e publicada em 1913. A obra foi adaptada para o cinema pelo italiano Luchino Visconte. Como da primeira vez, senti um prazer enorme pelo forte caráter emocional, que produz uma dialética sonora entre o terno e o fatal.

O filme se passa em Veneza, onde a população enfrenta uma epidemia de cólera e as autoridades locais tentam, de maneira astuta, esconder o que está acontecendo na cidade. A trama do filme se passa entre um velho músico que se apaixona por um jovem adolescente de beleza rara. Os dois, durante todo o filme, trocam olhares, mas nunca conversaram. No final, o músico acaba morrendo, contaminado pela peste.

A música de Mahler, no filme, nos inspira e envolve em um sentir absoluto sobre os momentos doces de paixão e os mortíferos gravados em um cenário de luto.

Mahler nasceu no dia 07 de julho de 1860, na cidade de Kaliste, Boêmia (então pertencente ao Império Austríaco, hoje República Tcheca), em uma família judaica. A música folclórica sempre o

acompanhou. As marchas militares e os cânticos da sinagoga são elementos que marcaram suas sinfonias e canções.

Apesar de sua origem humilde, Mahler conseguiu frequentar o Conservatório e a Universidade Austríaca. Inovador em suas obras, ele foi reconhecido pela crítica mundial como um dos maiores compositores do período romântico.

O que despertou meu desejo de assistir o filme novamente foi que, casualmente, descobri que Gustav Mahler esteve com Sigmund Freud e esse encontro foi muito significativo para ele.

Decidi pesquisar em alguns livros e reportagens a biografia Mahler. Senti uma grande curiosidade em saber como foi sua vida, muito por conta de que quando ouvimos sua música somos despertados por fortes emoções devido a sua extrema sensibilidade em vários movimentos sonoros que ele criou.

Mahler vivia um problema conjugal. Alma, sua esposa, era mais nova do que ele vinte anos e gostava de compor e de ter uma vida social ativa. Ele era um homem calado, concentrado, gostava de ficar sozinho e se esquivava o quanto pudesse da vida social. Quando eles ficaram noivos, Alma demonstrou o desejo de continuar sua carreira de compositora. Mahler a proibiu e disse:

“-Você deve se entregar incondicionalmente, moldar a sua vida futura, em todos os detalhes, inteiramente de acordo com as minhas necessidades[…] -”O papel de compositor é o meu- o seu é de companheira amorosa”.(BROWN,2014,P.435)

Eles se casaram em 1901. O casal teve duas filhas. Anna se tornou escultora e Maria Anna morreu de difteria com cinco anos, em 1907. Neste mesmo ano, Mahler descobriu que tinha uma doença cardíaca.

Em 1910, Mahler recebe uma carta endereçada a ele e, ao ler a tal carta, ele se surpreende. Nela, Walter Gropius, um ilustre arquiteto da época, mais novo do que Mahle, pede a Alma que se separe de seus esposo.

Decepcionado, conversa com Alma e compreende o que estava acontecendo. Alma estava desencantada com seu casamento. Talvez, pela primeira vez, o casal tenha conseguido se comunicar sobre o que sentiam.

Alma escreve em seu diário: “Então, finalmente, pude dizer-lhe tudo. Disse-lhe que havia ansiado pelo seu amor ano após ano e que ele, com sua absorção fanática por sua própria vida, simplesmente havia me esquecido. Na medida em que eu falava, ele começou a sentir pela primeira vez que se deve algo a pessoa com quem se uniu a própria vida. Inesperadamete, teve sentimentos de culpa. Mandamos buscar minha mãe para que viesse em nossa ajuda, e até que ela chegasse não pudemos fazer outra coisa senão caminhar juntos todo o dia, chorando. Depois de revelar as causas do nosso relacionamento com maior honestidade, me senti mais certa de que nunca de que não poderia abandoná-lo […]. Percebi que o meu casamento não era um casamento e que minha vida estava em grande parte não realizada. Ocultei dele tudo isso, e, embora ele o soubesse tão bem quanto eu, representamos a comédia até o fim para que não se sentisse ferido[…] Faças o que fizeres, estará bem me disse. Decide-te! Mas, eu não tinha opção. Mahler havia sido o centro de minha existência e continuava sendo”.(Liberman,2010,p. 31)

Mahler se comove com a expressão dos sentimentos de Alma e, cuidadoso, resolve procurar um amigo que é amigo pessoal de Sigmund Freud e este recomenda a ele o famoso encontro entre os dois. Ele marca a entrevista com Freud por duas vezes e cancela. Freud diz a ele que não o atenderia mais se cancelasse o terceiro encontro. Freud propõe um encontro em Leyden (Holanda).

Mahler demonstra medo de seus fantasmas e por isso, inicialmente, apresenta dúvida, tipo um sim que é não, mas, finalmente, marca uma entrevista com Freud em Leyden (Holanda).

Mahler envia um telegrama para Alma um dia antes do encontro com Freud dizendo:

“Todas as forças do mal e do bem me acompanham. Tu ocupas triunfalmente o trono. Boa noite, minha lira.” (Liberman,2010,p. 32).

O encontro aconteceu no dia 26 de agosto de 1910. Os dois fazem uma caminhada pela cidade e conversam durante quatro horas. Foi com rapidez que Mahler compreendeu o que acontecia com ele quando compunha.

Depois de ouvir seus problemas, Freud disse a ele que a diferença de idade do casal era o que ele mais temia e o que mais o atraia em Alma. E afirmou:

“-Você amava tanto a sua mãe que a procurou em todas as mulheres. Ela era carinhosa e enfermiça, e inconscientemente você deseja que sua mulher seja igual”.( BROWN,2014,p.436).

“Mahler disse que agora entendia por que razão sua música sempre tinha sido impedida de alcançar o ponto mais alto nas passagens mais nobres, inspiradas por emoções profundas, sempre arruinadas pela intromissão de alguma melodia trivial. Seu pai, aparentemente uma pessoa brutal, tratava muito mal a mulher, e, quando criança Gustav testemunhou uma cena especialmente dolorosa entre o casal. Foi algo insuportável para ele, que saiu correndo de casa. Naquele momento, porém, encontrou na rua um realejo tocando uma popular cantiga vienense. Na opinião de Mahler, a conjunção de alta tragédia e diversão ligeira ficou desde então transfixada em sua mente, em estado de espírito trás inevitavelmente a outro”.(BROWN,2014,p. 437)

Depois deste encontro com Freud, Mahler, envia um telegrama para Alma dizendo que sentia-se muito satisfeito e animado com as conclusões que havia chegado sobre a sua história de vida. Mahler muda seu comportamento em relação a Alma e suas cartas, telegramas e flores expressam muito mais sua ternura e seu sentimento por ela.

Com isso, Mahler demonstra sua capacidade amorosa dedicada a reparar esse vínculo com a mulher desejada e temida.

Podemos pensar que a conversa com Freud favoreceu para que Mahler pudesse ter um novo conhecimento que estava no seu inconsciente. Ele se libertou de uma cena da infância que o impedia de concluir a sonoridade que desejava atingir em suas composições. Dessa forma, pode orquestrar e produzir arranjos e acordes em suas sinfonias sem interromper seu processo criativo, algo que tanto ele desejava.

Cabe ainda considerar que, possivelmente, sua relação amorosa com Alma também se transformou e ele passou a viver de maneira mais espontânea, criativa e amorosa com ela, onde ambos saíram mais enriquecidos e puderam viver um pouco mais, de maneira viva, o relacionamento deles.

Em 1910, Mahler dedica a mulher sua Oitava Sinfonia. Esta sinfonia exige enorme quantidade de instrumentistas e ficou conhecida como “Sinfonia dos Mil”. Foi a última obra que Mahler apresentou e foi sucesso de crítica e público em Munique. Segundo Mahler, esta foi a sua melhor sinfonia. No mesmo ano, ele publica cinco composições de Alma, que foram apresentadas em Viena e Nova York.

Aos cinquenta e um anos, nove meses depois da entrevista com Freud, Mahler estava pleno quando morreu em Viena, em maio de 1911. No esboço de sua Décima Sinfonia inacabada, escreve na margem “Viver para ti! Morrer para ti! Almischi”. (literalmente traduzida como Alminha). Ele foi sepultado em Viena, ao lado da filha Maria conforme pediu a Alma antes de partir.

Bibliografia:

Brawn,Craig (2014).Um por um: 101encontros extraordinários Tradução Renato Marques-São Paulo: Três Estrelas.