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Benzinho: a nossa pietá brasileira.

Benzinho – A nossa pietá brasileira
Sobre a relação do homem com sua mãe, a nossa blogueira do Gesto Espontaneo , Cecilia Hirchzon escreve *:
“O homem, para ser “si mesmo” e para constituir a sua identidade masculina, terá de se separar desta Mulher, de quem dependeu totalmente. Já a mulher, para se constituir como tal, não precisa estabelecer necessariamente a separação – pode manter-se identificada com essa Mulher. Observamos, portanto, duas direções distintas: enquanto a mulher lida com a Mulher dentro de si através da identificação, o homem tem que se separar, tornar-se único, o que se constitui em uma urgência no desenvolvimento da sua identidade. A especificidade da identidade feminina caracteriza-se por ser geracional e infinita, isto é, podendo manter dentro de si três mulheres: o bebê menina, a mãe e a mãe da mãe. Essa condição possibilita à mulher o desempenho de diferentes funções sem violar a sua natureza. Pode ocupar posições diversas nas brincadeiras, onde ora é mãe, ora é filha, alternando papéis. Ou, ainda, na idade adulta, exercendo a sua feminilidade, ocupando o lugar de mãe e/ou mulher sedutora. Enquanto isso, o homem não se funde nessa linhagem – sua condição básica é a de ser um”.
No belíssimo Benzinho, de Gustavo Pizzi, que está em cartaz nos cinemas, o primogenito de Irene, mulher brasileira , mãe de quatro filhos, vai embora para a Alemanha a convite de uma universidade que está interessada no seu talento esportivo. O adolescente vibra enquanto a mãe se quebra, assustada com a partida súbita, fora de hora, do filho muito jovem. A história de Benzinho é o processo que se desencadeia com a chegada da noticia, suas idas e vindas , focado aqui no ponto de vista da mãe que vai tentando aceitar o momento que é de alegria e tristeza. Porque Irene é Pietá não vou contar aqui, para não dar um “spoiler” do filme. A interpretação de karine Teles é magistral. O amor materno aqui se desdobra em suas mais variadas possibilidades ( como diz a Adelia Prado, mulher é desdobrável) . A mãe suficiente boa, por sua saúde e sua capacidade de lidar com a perda e a separação, aparece na interpretação de Irene. Mãe suficientemente boa que se atrapalha, fica brava, dá chilique, chora, pira, respira, mas, enfim, ama. A gente fica apaixonada pela Irene. O longa foi escolhido como o filme brasileiro que vai disputar uma vaga entre os quatro finalistas ao Prêmio Goya de Melhor Filme Ibero-americano, considerado o Oscar espanhol.
E , para terminar, um poema, uma musica.

O gato andaluz*
(Rosa Alice Branco)
O meu filho caminha por aí. Já não sei
se é o Douro ou o Darro que lhe embala o sono.
Nem onde guardei as datas e o nome das ruas
ou se vou te encontrar logo à tardinha.
Deixei-me de saber e de pensar que sei.
Um gato arranha à minha porta a miar em andaluz.
Eu arranho a porta a dois dias daqui, duas horas
De avião. É proibido miar nos voos europeus.
Engulo a saliva do dia e assim se faz noite.
E não há gaivotas a gritar por mim. Por mim
estou eu à janela do avião. As malas
com que hei de dizer-te: cheguei. O teu abraço
como um rio qualquer onde corra água.
Esquecer o que ficou para trás e a língua que me fala.
Levar o copo à boca onde nasce a boca,
A fonte do quintal, a nascente do mar. O meu filho
Voa como se caminhasse descalço. Cruzamo-nos
no horizonte sobre a linha do rio onde deságua a luz.
E as palavras aquietam-se no seu nada.

( do livro Soletrar o dia, Ed escrituras, 2004)

* este artigo está postado em nosso blog na seção artigos e notícias ( “Os elementos masculino e feminino puro na clínica”).